Título: China força corrida por terras-raras no Brasil
Autor: Dezem, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2011, Empresas/Tendências e consumo, p. B4

Mineração: Grupos locais, além da Vale, e estrangeiros miram reservas

De São João del Rei e São Paulo

A manobra chinesa para estabelecer cotas de exportação para os compostos de terras-raras está gerando uma corrida pelos estoques e reservas desses elementos minerais no Brasil. Além da Vale, que já confirmou seu interesse, outras empresas, inclusive estrangeiras, estão voltando suas atenções para esse mercado no país.As restrições da China - responsável por mais de 90% do fornecimento mundial das terras-raras - e o temor global de desabastecimento impulsionaram essa movimentação. A oportunidade é imensa: quem conseguir ser uma alternativa à produção chinesa pode abocanhar parte de um mercado mundial de cerca de US$ 5 bilhões, que abastece setores de alta tecnologia. As terras-raras representam um conjunto de 17 elementos químicos usados para a produção de diversos produtos modernos como ímãs, fibras óticas, notebooks e celulares. "O Brasil tem potencial para entrar nesse mercado. E nós vemos isso como uma grande oportunidade", afirmou ao Valor o diretor da fabricante de ligas metálicas Resind, Almir Clemente. A empresa tem uma grande ambição: abastecer o mercado interno. Com faturamento um pouco acima de R$ 25 milhões em 2010, a empresa mineira é especializada na recuperação de resíduos metálicos, atuando no reprocessamento do estanho e outros metais. A capacidade da companhia é de 300 toneladas de matérias-primas processadas por mês.

Clemente acredita que pode entrar no novo negócio: há seis meses ele desenvolveu uma tecnologia para produzir uma liga de terras-raras. Com isso, quer abastecer primeiramente a cadeia da indústria automobilística e, em uma segunda etapa, fornecer para os fabricantes de catalisadores, importantes para o processo de refinamento do petróleo. A tecnologia envolve o processamento da monazita - concentrado mineral onde se encontram terras-raras. Da monazita saem dois produtos: uma liga com as terras-raras e uma escória. Para chegar nisso, a Resind faz um tratamento metalúrgico, em fornos, o que, segundo Clemente, é um processo seguro diante do principal desafio de se produzir terras-raras: manter controlado o material radioativo. Isso porque a monazita abriga também o tório, elemento que deve ser separado e armazenado de modo seguro. A tecnologia da Resind, informa a empresa, permite que o tório fique encapsulado em uma escória, sem contaminar o ambiente. "Essa rota que inventamos ainda não existe", garante o executivo.

Para usar sua tecnologia e iniciar a produção, no entanto, a Resind precisa da matéria-prima. Para isso, a empresa está há cerca de um mês negociando a compra do estoque da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), companhia estatal produtora de urânio. A INB tem um estoque que totaliza 20 mil toneladas de monazita bruta no Estado do Rio de Janeiro, sendo que 62% do material é terras-raras. Esse estoque veio das operações da própria empresa, que separa os materiais que não são seu foco de negócios.

O plano de Clemente é produzir 200 toneladas por mês da liga com terras-raras, suficiente para suprir o mercado que abastece a indústria de autopeças. Em uma segunda etapa, Clemente pretende investir R$ 5 milhões na compra de um segundo forno, para produzir mais 200 toneladas de liga do mineral, que abasteceriam a cadeia de refinamento de petróleo. As cerca de 10 mil toneladas negociadas pela Resind na INB seriam suficientes para cinco anos de suprimento da demanda desses mercados, diz o executivo. "Depois disso buscaríamos outras formas de acesso à matéria-prima", contou. A demanda brasileira por terras-raras hoje está em torno de mil toneladas/mês. Com mercado interno pequeno e com as reservas que o Brasil tem, o país pode se tornar um exportador do produto. Segundo Francisco Lapido Loureiro, pesquisador do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), os recursos identificados e medidos no Brasil são maiores do que as reservas oficiais da China. Só em Catalão (GO) - um dos locais mais estudados no setor - foram identificadas 120 milhões de toneladas de terras-raras. "Há poucos países com a tecnologia de extração e produção. E no Brasil ainda temos de estudar os recursos", afirma Loureiro, enfatizando que para ser considerada uma reserva, a exploração dos recursos deve ter um caminho econômico definido. "Nossas reservas são grandes, mas, no momento, não há uma exploração e produção organizada em escala industrial", completou o coordenador de processos metalúrgicos e ambientais do Cetem, Ronaldo Luiz Santos.Além de Catalão, há ainda outros locais com recursos identificados, como Araxá (MG) e Pitinga (AM). E as potencialidades econômicas de Pitinga já estão sendo analisadas. Proprietário da mina, o grupo peruano Minsur - por meio da subsidiária brasileira, Mineração Taboca - está no processo final de um estudo que vai mostrar o potencial de terras-raras da reserva. No local, onde a empresa explora estanho e ligas de tântalo e nióbio - há presença expressiva o concentrado mineral xenotima, outra fonte dos elementos de terras-raras. No caso, podem ser explorados elementos pesados, de maior valor agregado. Com o estudo, a empresa pretende levantar quais são os tipos de terras-raras encontradas, determinar o volume e as possibilidades de extração. A partir de então, a Taboca pode começar a traçar projetos de produção desses metais. "As terras-raras estão no nosso radar. Mas ainda não temos uma definição sobre o setor. Não estabelecemos ainda quais seriam as rotas de produção", afirmou o presidente da Mineração Taboca, João Luiz Serafim. A empresa comprou em 2008 a mina de estanho da Paranapanema.

As reservas brasileiras também têm atraído outras empresas estrangeiras. Segundo o Valor apurou, há grupos japoneses vindo realizar pesquisas no país. Um grande produtor de cristais também enviou um pesquisador e dois representantes para encontrar áreas de prospecção que contenham monazita no país. A companhia está em busca de parceiros para extrair as terras-raras. "Com a centralização da produção na China, o mundo começou a se mexer", observa o coordenador do Cetem.

O problema global do fornecido das terras-raras ficou mais complicado no início deste ano, quando o premier chinês, Wen Jiabao, desenhou um plano que inclui maior fiscalização, elevação dos padrões de produção e a consolidação dos produtores desse mineral. A China estabeleceu ainda cotas de exportação, o que projetou os preços às alturas.