Título: Cenário doméstico mudou pouco entre as duas reuniões
Autor: Neumann,Denise
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2011, Finanças, p. C3

O cenário doméstico - combinados atividade e inflação - mudou pouco entre a penúltima e a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O cenário de desaquecimento ficou mais claro na produção industrial e no ritmo de geração de novos empregos formais, mas as vendas do varejo e a evolução da renda ainda crescem quase na mesma velocidade, enquanto a taxa de desemprego continua recuando.

Para analistas ouvidos pelo Valor, os indicadores domésticos não justificam a mudança de leitura do Banco Central, que olhando para eles em julho decidiu por um novo aumento da taxa básica de juros (de 25 pontos percentuais) e agora, diante de um cenário bastante semelhante, cortou a taxa (em 50 pontos percentuais).

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"Desde a última reunião, os resultados só ficaram piores na indústria", diz Silvia Matos, coordenadora do boletim Ibre Macro, da Fundação Getulio Vargas (FGV). "No varejo e no setor de serviços, para o qual temos poucos indicadores, os sinais de desaceleração, quando existem, são suaves", acrescenta, listando que o desemprego continua caindo e a renda, subindo, o que manteve forte o risco inflacionário. O crescimento acumulado de produção na indústria recuou de 1,8% para 1,4% entre as duas últimas reuniões do Copom, enquanto a alta nas vendas do varejo passou de 8,2% para 9,2% na mesma comparação.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também avalia que a demanda ainda está muito aquecida e o mercado de trabalho não permite vislumbrar um consumo mais fraco. "Pelo contrário, a percepção é de emprego e renda ainda em aceleração", diz ele, que não mudou a projeção de PIB para este ano - ele estima crescimento de 3,8% em 2011. Pelos dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME-IBGE), o rendimento médio se mantém 4% acima do pago em 2011 há três meses.

Para Vale, o ajuste fiscal ainda é mais uma promessa do que algo efetivo. "Os gastos totais continuam apontando crescimento no ano que vem e é isso que sinaliza demanda", argumenta.

Silvia observa que a dinâmica da economia brasileira mudou depois da crise de 2008. A indústria perdeu espaço, e hoje parte do consumo interno é abastecido por importações. Assim, nem toda queda de produção é resultado de menor demanda. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), Luís Aubert Neto, reforça a tese, mas a usa em defesa de uma política ainda mais agressiva de corte da taxa de juros. "O Banco Central agiu muito certo e deve continuar cortando a Selic porque ela está alimentando uma taxa de câmbio que está acabando com a produção", diz ele.

O ritmo da atividade doméstica, dizem os economistas, desacelerou entre o primeiro e o segundo trimestres, o que estará refletido no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) que será divulgado nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O centro das apostas está em um crescimento de 0,8% em relação ao primeiro trimestre, indicando um recuo em relação ao 1,3% do primeiro trimestre na comparação com o fim de 2010.

O problema, dizem, é que a desaceleração ainda é muito heterogênea entre os setores e não foi acompanhada de um alívio na trajetória de inflação. José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, discorda. Ele considera que essa mudança de patamar de crescimento, associada ao novo cenário externo - "que piorou muito" - e aos novos sinais da política fiscal, justifica a mudança de avaliação do Copom. "O mês de agosto mudou tudo, ele foi uma barbaridade", resume.

Silvia Matos, da FGV, concorda que o cenário externo mudou bastante e piorou na comparação com o quadro vigente na reunião de julho do Copom. "Mas seus efeitos sobre o Brasil ainda são muito incertos. Temos baixo crescimento com inflação no mundo rico. Então, também desse ponto de vista, a mudança de postura me pareceu precipitada", diz ela. (Colaboraram Sergio Lamucci e Arícia Martins)