Título: CMN vira regulador dos derivativos e terá visão global, diz Barbosa
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2011, Finanças, p. C2

De Brasília

O governo buscou três grandes objetivos com a medida provisória 539, divulgada ontem, para impor barreiras à valorização do real, segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. O primeiro foi dar poderes ilimitados ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para regular as operações com derivativos cambiais. "Agora o CMN poderá intervir se e quando achar necessário. Intervenção na forma de resolução, especificando limites, compulsórios, e nas próprias características dos contratos de derivativos. Vai poder avaliar se eles trazem riscos sistêmicos, aprovar a criação de contratos novos, analisar os existentes. Enfim, o CMN vai ser o regulador do mercado de derivativos", disse.

O segundo foco foi exigir que todos os contratos no mercado de balcão sejam registrados na BM&F, na Cetip ou em qualquer câmara de compensação que vier a ser autorizada a funcionar. O que não tiver registrado não terá validade para o governo brasileiro. "Na prática, a maioria dos derivativos de balcão já são registrados. Mas é pra pegar tudo", explicou o secretário. Somente assim esses contratos terão validade jurídica no país; e o registro permitirá ao governo conhecer quem está comprando o quê, quanto, como e com quem. Somente tendo todas essas informações o CMN poderá exercer sua nova função. "Em princípio, não há nada proibido, mas tem que ser informado", disse.

Até agora, cabia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cuidar das exposições cambiais das empresas abertas, o Banco Central regulava o sistema financeiro e a Receita Federal via os negócios pelo lado tributário. "Mas dentro do espírito do que foram as conclusões do pós-crise de 2008, tem que ter supervisão, regulação, padronização e transparência", completou."Consideramos que uma apreciação adicional do real teria mais efeitos negativos do que positivos para a economia brasileira. Grande parte da apreciação do real decorre das operações de derivativos, que constroem apostas na valorização da moeda altamente alavancadas", comentou o secretário.

Segundo ele, caberá à BM&F e à Cetip fazer a apuração do tributo todos os dias e cobrá-lo a cada dez dias. As duas câmaras de compensação terão que trocar informações sobre o investidor, para ver qual a posição dele no mercado. Como se trata de dados protegidos pelo sigilo bancário, o investidor terá que autorizar essa abertura. Caso esteja comprado em R$ 100 milhões na Bolsa e vendido em igual quantia na Cetip, o encontro de contas o isentará do tributo. Mas se não autorizar essa troca de informações, pagará o imposto sobre a posição vendida.

"Todas as medidas estão baseadas na ideia de que os derivativos têm uma função, são usados para fazer hedge, mas também são usados para alavancar posições altamente especulativas. Na hora que colocamos uma trava unilateral, estamos querendo desestimular as posições alavancadas na apreciação do real", comentou Barbosa.

Fontes do mercado consideraram as medidas de ontem "um tiro de bazuca" no mercado de derivativos, com potencial para inúmeros efeitos colaterais, a começar pelo aumento da taxa de juros decorrente do aumento do custo transacional no país. O exportador que precisa fazer hedge cambial terá que pagar mais caro por ele. Barbosa acredita que os exportadores e os demais investidores poderão rolar sem custo do IOF suas posições atuais "que já são relevantes". De qualquer forma, o governo vai monitorar a evolução da aplicação das medidas nos próximos dias e, se houver necessidade de adequações, ele as fará.

Descarta-se, no Ministério da Fazenda, o risco de o governo estar matando o mercado de hedge cambial. "A tributação é pequena e recai só sobre a variação da posição vendida", disse o secretário. Se o exportador pode perder por um lado, com o custo do IOF, ele vai ganhar com a interrupção do processo de apreciação do real, avalia Barbosa. " Achamos que um contrabalança o outro."

O mercado vê essas medidas como um grande incentivo para a migração dos negócios com derivativos para fora do país. Outra dúvida levantada na tarde de ontem era se os negócios no mercado spot seriam considerados nessa equação. Barbosa disse que não.

Mas o que mais espantou o mercado foi a concessão de poderes ilimitados ao CMN. Tal grau de discricionariedade representou não só uma usurpação pelo CMN de funções clássicas do Banco Central do Brasil - como administrar a política cambial do país - mas um novo elemento de incertezas para os negócios no mercado privado de moedas. "Foi uma indicação qualitativa de para onde estamos caminhado", disse um ex-dirigente do BC. "Estamos em direção aos anos 80", arrematou.