Título: Acordo evita novo golpe na economia americana
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2011, Opinião, p. A14

Enquanto o Congresso e o governo americanos encontravam-se paralisados por enormes divergências sobre a elevação do teto para a dívida pública do país, de US$ 14,3 trilhões, a economia deu sinais consistentes e preocupantes de fraqueza. Normalmente, o estado da economia é que baliza as discussões sobre o orçamento e a política fiscal, mas ele foi ignorado especialmente pelos republicanos, que tentaram até o último instante pregar uma peça eleitoral ao presidente Barack Obama. Em grande parte, a estratégia da ala mais radical da direita americana conseguiu seu objetivo. Mas não tudo que queria. Obama, forçado a um recuo e espicaçado pelas concessões pela ala esquerda dos democratas, conseguiu evitar dois males. O primeiro, que fortes cortes nas despesas do governo desabassem sobre uma situação econômica frágil. O segundo, que ficasse refém de nova e polarizada discussão fiscal em 2012, em plena campanha pela reeleição.

O compromisso que saiu do Congresso americano não resolve o problema fiscal de longo prazo dos EUA, mas também não o agrava e nem tem forte impacto negativo para as atividades econômicas. Os cortes totais, de cerca de US$ 2,4 trilhões em dez anos, são um pouco maiores que o aumento do teto da dívida, de US$ 2,1 trilhões. Ou seja, o montante é irrelevante para resolver um problema ou aprofundar outro. Mais importante, no curto prazo, no ano fiscal de 2011, a redução do gasto governamental será de cerca de US$ 25 bilhões, ou 2,1% em relação ao valor projetado pelo órgão de assessoria orçamentária do Congresso. Analistas estimam que o corte trará uma contração de 0,1 ponto percentual sobre a taxa de crescimento em um ano. Para o ano de 2012, haverá redução de US$ 47 bilhões nos gastos discricionários, ou corte de 3,9%.

Os republicanos conseguiram impedir que o governo Obama eliminasse deduções de impostos para os americanos mais ricos ou conseguisse elevar as receitas federais. Os democratas, por outro lado, terão de defender a manutenção de alguns desses incentivos em 2012, quando vence a dedução de 2 pontos percentuais da tributação sobre a folha de pagamento das empresas. O fim do benefício retiraria da economia de US$ 100 bilhões a US$ 125 bilhões e teria efeitos econômicos nocivos superiores aos cortes aprovados agora.

A pouco mais de um ano da eleição presidencial, a trava republicana no Congresso traz muito mais dificuldades para Obama do que o previsível desgaste político. Com a economia descendo novamente ladeira abaixo, o governo perdeu a capacidade de usar a política fiscal para atenuar o ciclo de baixa em um momento em que poderá desesperadamente precisar dela. Os últimos dados são eloquentes. O Produto Interno Bruto (PIB) americano cresceu 1,3% ao ano no primeiro semestre. Em junho, o gasto dos consumidores se retraiu em 0,2%, o primeiro recuo em 20 meses. O segundo semestre não começou bem. O índice dos gerentes de compras mostrou estagnação das atividades da indústria e o nível de encomendas teve queda em julho.

Dessa forma, o alívio trazido por um acordo na undécima hora sobre o teto da dívida sequer chegou a ser sentido pelos mercados. A previsão de um duplo mergulho recessivo voltou a ganhar força. E suas chances foram reforçadas pelo recuo sincronizado da indústria nas maiores economias do mundo. A produção industrial perdeu vigor em junho tanto no Brasil como na Índia, China, Rússia e zona do euro. Para complicar o cenário, a crise da dívida soberana na zona do euro voltou a recrudescer, elevando ainda mais as taxas cobradas pelos títulos da Espanha e da Itália.

Restou aos EUA as armas da política monetária. O baque da economia americana indica que a recuperação global será mais prolongada que o previsto e que os juros se manterão por um longo tempo perto do zero ou negativo nos países desenvolvidos. É duvidoso, nesse contexto, o poder de uma nova rodada de afrouxamento quantitativo pelo Federal Reserve. A segunda dose dessa política já não teve resultados tão vigorosos quanto a primeira, em plena crise de 2008. Talvez a única vantagem para o governo Obama com o acordo sobre o teto da dívida é o de ter evitado uma piora patrocinada pelos republicanos. Já os republicanos conseguiram com seu radicalismo afastar da memória dos americanos que foi um governo de seu partido que lançou a economia global em uma crise devastadora, que ainda não terminou.