Título: Para BC, haverá menos juros, inflação e crescimento
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2011, Brasil, p. A2

Para entender melhor o que pesou na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), ao cortar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros, é importante dimensionar o que está escrito no item 18 da ata divulgada ontem. Ele trata do cenário alternativo - construído "sob a perspectiva de um modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico de médio porte" - e indica que, se a crise externa tiver impacto de apenas 25% do que teve a de 2008/09, a atividade econômica doméstica desacelera e a taxa de inflação cai, conforme antecipou esta coluna na semana passada. Em números, isso representaria um adicional de 0,5 a 1 ponto percentual de queda do PIB e 0,5 ponto percentual de redução da inflação. Embora alternativo, esse é o cenário mais realista para o BC.

Mesmo com uma depreciação da taxa de câmbio e a redução dos juros, o Banco Central está convencido de que a taxa de inflação vai ceder em cerca de 2 pontos percentuais de outubro a abril. Isso significa que a variação do IPCA acumulada em 12 meses partiria de cerca de 7% para a casa dos 5% no período de seis meses, caminhando, assim, para o centro da meta de 4,5%.

Dentro desse prognóstico, a autoridade monetária deve reduzir de 4% para 3,5% a projeção de crescimento do país este ano, informação que será comunicada no Relatório Trimestral de Inflação que será publicado no fim do mês.

É preciso ter em mente, também, que "o governo está determinado a não repetir erros do passado", salientou fonte oficial. Por "erros", segundo essa fonte, entende-se o fato de o Copom ter demorado a reagir ao crash de 2008 e o Ministério da Fazenda ter flexibilizado por tempo demais a política fiscal, combinação que teria levado o país a perder a chance de reduzir o juro.

Desta vez, o ministro Guido Mantega avisou que o "mix" da política econômica será o inverso: rigor fiscal e flexibilização dos juros.

Nesse aspecto, a ata do comitê antecipa que o BC conta com superávit primário consolidado do setor público de 3,15% do PIB para este ano e de 3,10% do PIB nos próximos dois anos. Essas são metas "cheias", sem ajustes de qualquer natureza. Será mais difícil cumprir a meta em 2012 pois a economia estará crescendo menos.

Por esse conjunto de razões o Copom começou a reduzir os juros antes do que o mercado previa e fez um movimento mais audacioso do que a própria presidente Dilma Rousseff imaginava.

Agora, os economistas de bancos estão antevendo mais duas ou no máximo três rodadas de corte da Selic de 0,5 ponto percentual. A curva de juros futuros da BM&F indicava ontem três quedas consecutivas de 0,5 ponto percentual, o que levaria a taxa anual para 10,5% em janeiro.

O BC alega que não se surpreendeu com os índices de inflação dos últimos meses e que já esperava a variação de 0,37% do IPCA de agosto. Para setembro o IPCA pode até ser um pouco maior do que o de agosto, mas seguramente será menor que os 0,45% do ano passado. O que, por efeito estatístico, levará a uma redução da taxa acumulada em 12 meses. De outubro em diante, acredita que os índices serão menores do que os de 2010, ajudados por um processo de desinflação vindo do exterior.

As crises na Europa e nos Estados Unidos vão se refletir no país por vários canais e isso deve aparecer nos próximos seis meses: redução da corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito mais restritivas e piora no sentimento de consumidores e empresários, listou a ata. Se o crescimento do país já estava se acomodando em patamares mais baixos, o cenário externo vem potencializar a desaceleração doméstica, argumenta o Copom.

As declarações do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, ontem, reforçam as avaliações do BC brasileiro, segundo assessores do governo. Trichet reduziu substancialmente as perspectivas de crescimento da Zona do Euro para este e para 2012 e elevou o tom pessimista em relação ao que esperava em junho.

Este mês a Grécia deve receber a primeira tranche do pacote de socorro, de ¿ 12 bilhões. Como o governo grego não cumpriu as condicionalidades exigidas para contar com esses recursos, as lideranças europeias terão de decidir se concederão algum tipo de "waiver" (perdão) para o país.

Na quarta-feira a Suprema Corte da Alemanha considerou legal o provimento de recursos do país para o fundo europeu de estabilização financeira que vai ajudar a Grécia. No fim de setembro o Parlamento alemão deve aprovar esse aporte. O mesmo terá de ser feito pelos demais parlamentos da União Europeia. A ausência de uma solução para o conjunto dos países com problemas de dívida soberana e a falta de senso de urgência mostram o potencial de duração da crise na Zona do Euro.

O BC avalia que a desaceleração das economias centrais será um processo de longa duração, diferente de 2008, que foi uma crise aguda e rápida. Agora os governos não têm os instrumentos fiscais ou monetários para reagir.

Se há alguma clareza sobre o dramático quadro internacional, o mesmo não se pode dizer dos compromissos fiscais do governo brasileiro. O BC conta com o superávit primário para 2012, mas os ministérios da Fazenda e do Planejamento não explicaram como vão fazer para cumprir a meta. A única indicação para as contas públicas do próximo ano é o projeto de lei do Orçamento que não guarda nenhuma coerência com o discurso recente do governo.