Título: O desafio é conciliar, diversos interesses e tirar a lei do papel
Autor: Munari, Carmen
Fonte: Valor Econômico, 21/07/2011, Especial, p. F4

Foram necessários 20 anos para a aprovação da Lei 12.305, que estabelece o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. No entanto, o plano representa apenas uma etapa para a regulamentação do tratamento do lixo no país. Agora, só com muita pressão e entendimento entre as partes envolvidas a lei chegará a prática do dia a dia das cidades. Depende, portanto, da chamada decisão política, principalmente pelas prefeituras.

A principal regra do marco obrigada os 5.565 municípios brasileiros a acabar com os lixões, construir aterros sanitários e instituir a coleta seletiva. Terão prazo até 2012 para apresentar seus planos e até 2014 para iniciar o novo procedimento. O governo federal criou comitês e grupos de trabalho para analisar e discutir a implantação do plano. As prefeituras resistem, alegando principalmente a falta de recursos. O acordo entre as duas partes, que envolve o setor industrial, vai disciplinar a destinação de 180 mil toneladas de lixo urbano produzidas no país por dia.

A previsão de investimento do Ministério do Meio Ambiente, que coordena o assunto no governo Dilma Rousseff, e de R$ 8,5 bilhões em gastos para União, Estados e municípios. Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que a despesa para as prefeituras chegará a R$ 53 bi1hões.

"É a nossa constituição do lixo. Tem que cumprir", defende Valdir Schalch, professor da Unidade de São Carlos (SP) da Universidade de São Paulo, especialista em resíduos sólidos. Para ele, "agora é a vez das prefeituras". Irônico, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, diz que "é a vez de as prefeituras se encalacrarem mais ainda. Uma coisa é a lei. Outra, a execução". Ele acusa Brasília de criar regras sem consulta.

Ziulkoski, que liderou nos últimos anos a Marcha dos Prefeitos a Brasília, com cerca de 4 mil integrantes, alega que os municípios não têm condições de cumprir a legislação, nem os prazos previstos. "Não há recursos, não há fonte de arrecadação adicional. Dizem que governo federal vai ajudar, mas é um sonho", acusa.

O arquiteto Nabil Bonduki, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, reforça a responsabilidade das prefeituras. Segundo ele, os seis grupos de trabalho criados para tratar do assunto - em que participam governo federal, Estados, municípios, indústria e catadores - tem por objetivo chegar a um consenso "e não a uma imposição". Das discussões sairá um plano a ser levado para consulta pública.

Responsável por um diagnóstico para embasar os debates, o Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) procura se distanciar da polêmica. "A regra que estabelece o ano de 2014 sem lixões está fadada a não atingir a totalidade, mas ter metas avançadas é muito positivo", acredita Albino Rodriguez Alvarez, técnico em planejamento. "Se deixar solto não sai", reforça Estanislau Maria, coordenador do Instituto Akatu, ONG voltada ao consumo consciente.

A possibilidade de combate à latente corrupção entre prefeituras e empresas de coleta de lixo é apontada por Rômulo Sampaio, coordenador do Programa de Direito e Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV- RJ). Nos lixões, explica, não há controle da quantidade de resíduos despejados, o que pode propiciar o superfaturamento. "No aterro sanitário é tudo controlado, a quantidade é pesada. Diminui a margem de corrupção e a possibilidade de manipulação dos contratos", diz.

O novo marco prevê ainda a logística reversa (instrumento que responsabiliza as empresas pela destinação de seus produtos depois de usados ) em cadeias produtivas como as de eletroeletrônicos, lâmpadas fluorescentes, óleo lubrificante, entre outros. A questão financeira também preocupa as indústrias, porque a obrigação deve gerar novos custos para as empresas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo defende a concessão de incentivos fiscais para cumprir a legislação. "Está na lei, mas é vago, temos que discutir com o governo", afirma Nelson Pereira dos Reis, diretor de Meio Ambiente da Fiesp.