Título: Com apostas polêmicas, Copom decide cortar juro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2011, Opinião, p. A10
Frustrou-se quem esperava que o Comitê de Política Monetária (Copom) aprofundasse, na ata ontem divulgada, a explicação do que viu no cenário internacional que justificou a decisão de cortar o juro básico em meio ponto, para 12% ao ano, após cinco altas seguidas. Mas a ata revela que a decisão foi também fundamentada em outras premissas igualmente polêmicas: a convicção de que a inflação entra em trajetória de baixa no próximo trimestre e que o governo pretende cumprir as metas cheias de superávit fiscal primário em 2012 e até 2013, assim como fará neste ano.
A aguardada ata revela que o surpreendente corte dos juros foi baseado em um "cenário alternativo", no qual a piora no panorama internacional causará um impacto na economia brasileira equivalente a um quarto do registrado na crise internacional de 2008/2009. Nessa hipótese, a economia doméstica desacelera e, apesar de o câmbio se depreciar e do juro cair, a inflação fica abaixo do ponto em que estaria não fosse o impacto da crise.
O Copom não viu no cenário internacional nada além do observado pelos analistas mais atentos. Fala do rebaixamento dos EUA, da elevada exposição dos bancos internacionais aos papéis dos países da zona do euro e da redução da expectativa de crescimento nas principais economias. Na segunda quinzena do mês, o Fundo Monetário Internacional (FMI) vai divulgar as previsões atualizadas para a economia mundial, na sua reunião anual. Se os números vazados há algumas semanas estiverem corretos, haverá uma revisão importante para baixo no desempenho da economia americana e de alguns países da zona do euro. Como os emergentes continuam amortecendo a desaceleração, a economia global cresce 4,3% - 0,1 ponto a menos do que o previsto e menos ainda do que os 5,1% de 2010.
De acordo com o Copom, a situação externa contaminará o Brasil por diversos canais. Assim, diz o Copom, o processo de desaceleração da economia brasileira, em consequência das medidas implementadas desde o fim do ano passado, "tende a ser potencializado pela fragilidade da economia global". Não é trivial dimensionar o reflexo disso no Brasil. Em 2008/2009, anos citados na ata, houve claramente um impacto defasado no tempo, alimentando o sonho da "marolinha" do ex-presidente Lula. Enquanto a economia global cresceu 2,9% em 2008, o Brasil avançou 5,2%. O vagalhão chegou em 2009, quando a economia global recuou 0,5%; e o Brasil, 0,6%. Já em 2010 os dois se distanciaram e, se o mundo cresceu 5,1%, o Brasil saltou 7,5%.
Na ata, o Copom nota que, "apesar de pressões inflacionárias ainda disseminadas nos países emergentes, houve descontinuidade dos ciclos de aperto monetário", para lembrar que não está sozinho ao reduzir o juro. Mas observa que as economias principais estariam sem armas, pois "parece limitado o espaço para utilização de política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal".
Também chama atenção na ata a confiança do Copom de que a inflação está cedendo, o que não é uma crença generalizada. O Copom está seguro que a inflação acumulada em 12 meses termina o movimento de alta neste trimestre e começa a recuar no próximo, em direção à meta. Mas a inflação medida pelo IPCA acumulou 7,23% em 12 meses até agosto, a maior variação desde junho de 2005 e bem acima do teto da meta de 6,5%. Um dos maiores empecilhos a superar para que a previsão do Copom se concretize é o fato de os preços estarem sendo puxados principalmente pelo setor de serviços, que subiu 9% em 12 meses e é impulsionado por fatores internos, como demanda e aumento dos salários. Os preços dos serviços são refratários às influências externas, com as quais o Copom conta para esfriar a inflação.
Outra aposta arriscada é a confiança de que a política fiscal deste ano será repetida nos próximos. O Copom levou em conta em sua decisão o cumprimento da meta de superávit primário de cerca de 3,15% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, sem ajustes, e, "como hipótese de trabalho, superávit primário em torno de 3,10% do PIB em 2012 e 2013, sem ajustes".
No entanto, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2012, que acaba de ser encaminhado pelo governo ao Congresso, e antes mesmo das inevitáveis emendas parlamentares, deve incluir o abatimento de parte dos R$ 42,5 bilhões previstos no orçamento de investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o cumprimento do superávit primário de R$ 139,8 bilhões. Na prática, o superávit ficaria em R$ 114,5 bilhões, ou 2,5% do PIB. O próprio projeto de lei orçamentária leva em conta premissas que já mudaram, como a Selic de 12,50% e inflação de 4,8% no próximo ano.