Título: Surpresa esporádica faz parte da política monetária
Autor: Werlang, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2011, Finanças, p. C8

De São Paulo

"Um dos principais responsáveis pela implementação do regime de metas de inflação no Brasil, Sergio Werlang, diz que o Banco Central não colocou o sistema em xeque ao surpreender os analistas e reduzir na semana passada os juros de 12,5% para 12% ao ano. Para ele, "surpresas esporádicas" fazem parte da condução da política monetária, desde que não sejam frequentes. Ex-diretor de Política Econômica do BC e hoje vice-presidente-executivo do Itaú Unibanco, Werlang classifica a decisão do BC como "ousada", mas diz que ela "pode ser perfeitamente justificada, principalmente se o crescimento dos países europeus e dos EUA for baixo e a diretriz de austeridade fiscal for rigidamente obedecida".

Werlang acredita que os juros poderão cair mais 1,5 a 2 pontos percentuais, o que faria a Selic atingir 10% ao ano. Ele considera possível que o centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%, seja atingido ao fim de 2012, mas avalia que "a probabilidade de isso ocorrer é um pouco menor que antes da decisão" da autoridade monetária de diminuir os juros. Para o ex-diretor do BC, o "cenário externo é de crescimento baixo e as expectativas sobre o ano de 2012 têm-se deteriorado consistentemente". Mas é tão ruim quanto o quadro pintado pelo BC? "Isso eu não posso dizer, mas que está se deteriorando, não há dúvida", afirma ele, que vê uma mudança importante na atitude fiscal do governo. "O governo poderia ter dito que tinha receita extraordinária e, portanto, faria gastos extraordinários. Escolheu não fazer isso. Dessa forma, é claramente uma postura fiscalmente austera."

A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por e-mail.

Valor: Com a decisão surpreendente do BC de cortar a Selic em 0,5 ponto, vários analistas disseram que o regime de metas está em xeque. Houve quem decretasse a morte do regime. O sr. concorda com essas análises? Por quê?

Sergio Werlang: Não acredito que haja alteração na sistemática do regime de metas para a inflação. A decisão de cortar 0,5 ponto percentual ao ano é ousada, mas pode ser perfeitamente justificada, principalmente se o crescimento dos países europeus e dos EUA for baixo e a diretriz de austeridade fiscal for rigidamente obedecida. Foi dito também que o Banco Central, num sistema de metas, não deve surpreender o mercado nunca. Não é bem este o caso. Haver surpresas esporádicas faz parte da condução da política monetária. O importante é que não sejam frequentes. Por fim, acredito que se o corte e também os possíveis cortes à frente se mostrarem ineficazes no controle da inflação - se a economia mundial não desacelerar tanto quanto o Banco Central prevê, e a política fiscal nacional não for tão austera quanto o necessário - então o BC retomará os aumentos da taxa.

Valor: No regime de metas, a autoridade monetária costuma dar alguns sinais sobre os seus próximos passos, principalmente por seus documentos ou eventualmente em entrevistas e pronunciamentos. Não faltou ao BC sinalizar que os juros poderiam cair na reunião desta semana?

Werlang: A previsibilidade perfeita não é um pressuposto do sistema de metas.

Valor: A convergência da inflação para a meta de 4,5% em 2012 ainda é possível?

Werlang: É possível que a meta de 4,5% seja atingida ao fim de 2012, mas a probabilidade de isso ocorrer é um pouco menor que antes da decisão.

Valor: O BC pinta um quadro internacional muito complicado, com implicações bastante negativas sobre a economia brasileira. O cenário externo é tão ruim quanto julga o BC e é suficiente para justificar uma inversão no rumo dos juros?

Werlang: O cenário externo é de crescimento baixo e as expectativas sobre o ano de 2012 têm-se deteriorado consistentemente. Se o cenário é tão ruim quanto o Banco Central julga, eu não posso dizer, mas que está se deteriorando, não há dúvida.

Valor: O BC também citou a "revisão do cenário para a política fiscal" como um dos motivos para a decisão. De concreto, o governo elevou o superávit primário de 2010 em R$ 10 bilhões, aproveitando uma arrecadação bastante acima do esperado, e apresentou uma proposta orçamentária em que os gastos não financeiros crescem mais do que o PIB. O sr. vê mudanças na política fiscal que de fato tenham aberto espaço para queda dos juros?

Werlang: A mudança na atitude fiscal é muito mais importante. Pense o oposto: o governo poderia ter dito que tinha receita extraordinária e portanto faria gastos extraordinários. Escolheu não fazer isso. Dessa forma, é claramente uma postura fiscalmente austera.

Valor: A queda dos juros ocorreu depois de uma série de declarações de membros do governo sinalizando que haveria uma mudança no mix de políticas, com a política fiscal passando a ser mais restritiva, para abrir espaço para um relaxamento da política monetária. Isso não permite a interpretação de que os juros caíram por pressão política?

Werlang: A coincidência entre as declarações ocorreu, de fato. Mas, o cenário externo e a política fiscal austera também apontam na direção de uma queda. Certamente, a decisão pelo corte não foi imediata, o que a votação não unânime do Copom mostra [cinco integrantes do Copom votaram por um corte de 0,5 ponto percentual da Selic, e dois, pela manutenção da taxa].

Valor: O governo parece empenhado em trazer os juros brasileiros para níveis mais próximos dos juros internacionais. Há condições de, nesse ambiente global frágil, o BC enfim trazer a Selic para patamares mais civilizados? O que é necessário para que isso ocorra?

Werlang: Isso só o tempo dirá. Se os juros de longo prazo são mais baixos, ou se a Selic também pode ser mais baixa, é algo que depende da estrutura da economia brasileira. No Chile, a taxa real permaneceu relativamente elevada até que em um espaço de poucos anos convergiu para a taxa internacional. Enfim, acho que isto vai acontecer no momento em que a população brasileira acreditar, assim como aconteceu com a chilena, que a austeridade fiscal é uma característica inerente de nossa economia, independentemente da inclinação ideológica dos governos. A presidenta Dilma Rousseff tem contribuído para essa visão, mostrando com clareza que o caminho fiscalmente responsável é o seu preferido.

Valor: O sr. acredita que os juros vão continuar em queda nas próximas reuniões do Copom? É possível a Selic alcançar um dígito neste ano ou no começo do próximo?

Werlang: Acredito que haverá mais 1,5 a 2 pontos percentuais de queda da taxa de juros.

Valor: Há quem veja um crescimento brasileiro muito baixo em 2012, abaixo de 3%. Que taxas de crescimento lhe parece plausível?

Werlang: Dadas as quedas de taxa de juros que espero que ocorram na sequência, acho que o crescimento do PIB poderá ficar por volta de 3,5% em 2012.