Título: PIB aberto à concorrência externa cresce pouco
Autor: Lamucci,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2011, Brasil, p. A3

Nos últimos três anos, a produção dos setores comercializáveis internacionalmente (os chamados tradables, expostos à concorrência externa) cresceu em ritmo bem inferior ao dos segmentos de não comercializáveis (os non-tradables). Na comparação entre o primeiro trimestre de 2008 e o primeiro trimestre deste ano, o grupo formado pela agropecuária, indústria de transformação e indústria extrativa (os tradables) teve expansão de 3,9%, enquanto o conjunto formado por construção, energia e serviços (os non tradables) avançou 11,3%. O PIB cresceu 10,4% na mesma comparação.O agrupamento foi feito pelo economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, a partir de números das contas nacionais. O desempenho mais decepcionante é o da indústria de transformação. No primeiro trimestre deste ano, a produção ficou apenas 1% superior ao nível de três anos atrás. O setor tem sofrido com a dificuldade de competir com os produtos importados, num cenário de câmbio muito valorizado.

Montero destaca que a produção dos bens comercializáveis vai mal, mas não por insuficiência de demanda - pelo contrário. Ele dá dois exemplos que deixam claro o forte crescimento da procura por esses bens. Entre o primeiro trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2011, as vendas no varejo ampliadas, que incluem veículos, motos, partes e peças e material de construção, tiveram alta de 28%. Já o consumo aparente de máquinas e equipamentos (a soma da produção e da importação, excluindo a exportação) subiu 30%.

Como o volume produzido pela indústria de transformação não aumentou quase nada no período, essa demanda vinda do varejo e do investimento foi atendida basicamente pelas importações, diz Montero. Segundo ele, depois da crise, o Brasil aumentou "enormemente a absorção de produtos tradables industriais", trazendo praticamente "tudo de fora do país". Graças à melhora dos termos de troca (a relação entre preços de exportação e importação), tem sido possível aumentar fortemente o volume importado sem que isso se traduza em forte deterioração da balança comercial.

Para Montero, a diferença de ritmo entre comercializáveis e não comercializáveis "se associa a uma sensação de grande bem-estar" na economia. "Nós falamos de uma expansão forte em serviços, intensivos em mão de obra e que, para a maior parte da população, constitui mais renda do que custo", afirma ele. Isso significa, segundo Montero, que grande parte das pessoas se beneficia da forte expansão do setor de serviços, aproveitando-se do aumento de salários, sem sofrer tanto com as altas de preços desse segmento, que afetam quem tem rendimentos maiores. Nesse cenário, o aumento de renda obtido em setores como o de serviços ajuda a estimular a forte demanda por bens tradables, que, em muitos casos, estão baratos, devido à feroz competição com o importado.

Para ele, o principal problema é de competitividade. O câmbio valorizado atrapalha bastante, mas as empresas também enfrentam aumento de custos de matérias-primas, elevação do custo de capital e pressões salariais. É possível, também, que haja alguma limitação pelo lado da oferta - o nível de utilização de capacidade instalada na indústria de transformação não está em níveis recordes, mas se encontra acima da média histórica.

Para o economista Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria, o fraco desempenho das exportações, especialmente de manufaturados, também explica o pífio resultado da indústria de transformação. "A demanda global por esses produtos segue baixa", diz ele.

Já os outros setores tradables têm um desempenho melhor que o da indústria de transformação, beneficiados especialmente pela forte demanda internacional por commodities. No primeiro trimestre, a produção da agropecuária foi 6,5% superior à do primeiro trimestre de 2008, enquanto a da indústria extrativa mineral, que engloba minério de ferro e petróleo, ficou 13,6% maior. Como o peso da indústria de transformação é maior, o grupo formado por ela, pela extrativa e pela agropecuária avançou apenas 3,9% em três anos.

No caso dos non-tradables, onde há pouca ou nenhuma concorrência externa, o cenário é bem diverso. Os serviços (comércio, transportes, informação, intermediação financeira, entre outros) cresceram 11,6% nos últimos três anos. O bom momento do mercado de trabalho, com aumento de renda e do emprego, explica esse bom desempenho. A construção civil, por sua vez, se beneficiou do boom do mercado imobiliário nos últimos anos, assim como de um aumento dos investimentos em infraestrutura, observa Bacciotti. No período, o setor cresceu 9,1%.

Para Montero, a perspectiva de desaceleração da demanda coloca um desafio ainda maior para a indústria de transformação. Se já havia dificuldades num momento em que o crescimento do consumo era forte - o que, em tese, facilita a absorção tanto da produção doméstica quanto da importada -, a situação pode ficar mais complicada num cenário de desaceleração. "Com uma demanda mais fraca, quem sentirá mais o baque, a produção local ou as importações? Nossas montadoras com salários mais altos e um câmbio valorizado, ou os carros chineses com seis anos de garantia?", questiona ele.

Segundo ele, o mercado automobilístico torna-se "emblemático" da preocupação da indústria com o aumento dos importados. "Os temores do setor aparecem mesmo com um mercado ainda aquecido", diz. No primeiro semestre, os emplacamentos aumentaram 10% sobre o mesmo período de 2010, enquanto a produção cresceu apenas 4,1%, "acumulando, ainda por cima, estoques recordes". Do aumento das vendas no mercado interno neste ano, 64% vieram de importações crescendo bem mais que as exportações.