Título: A seca dói no bolso
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 28/08/2010, Economia, p. 16

consumidor

Fenômeno climático prolongado impõe alta no preço da carne e atinge o prato predileto do brasileiro. Se não chover, valor subirá mais

O churrasco do fim de semana do brasileiro está mais caro. O motivo, desta vez, é o mesmo que dificulta a respiração e o bem-estar dos consumidores, especialmente no Centro-Oeste e Sudeste do país: a seca. Com o prolongamento do fenômeno climático, a expectativa é que o preço do prato tradicional fique ainda mais salgado até outubro. A explicação é simples. A falta de chuva vem castigando os pastos no país e o impacto disso já chegou às gôndolas dos supermercados. O preço da carne bovina vem subindo e a arroba do boi, que antes custava cerca de R$ 70, agora é vendida a R$ 88 para os varejistas e deve logo superar os R$ 90, caso a baixa umidade persista.

Nesse ritmo, consumidores como o servidor público Arnon Brito, 56 anos, começam a se precaver. Ao saber do açougueiro com quem costuma fazer as compras do mês que a carne vai sofrer novos reajustes, apesar do aumento recente, Arnon buscou encher o carrinho com o produto para escapar da nova alta. Vou aproveitar o que está na promoção e estocar lá em casa. Tenho que procurar o que é melhor para o meu bolso, disparou o funcionário público, que procurou ainda variar a lista do supermercado, incluindo também o frango o produto ainda não sofreu o aumento que afetou o boi.

Os varejistas já começaram a repassar o aumento dos preços da carne. Somente em agosto, o preço da carne já subiu 9% para os supermercados, informou Mateus Silva, gerente de compras do Super Veneza, localizado no Cruzeiro. Já repassamos uma parte dessa alta para os preços, mas certamente vamos ter que continuar repassando se a seca se mantiver e as exportações de carne continuarem aquecidas, comentou. Ele lembra que o consumidor reage ao aumento do preço da carne comprando frango ou porco, que ainda não tiveram a mesma alta.

Vendas à Rússia O Brasil hoje é o maior exportador de carne do mundo e, além da seca, o aumento das exportações está contribuindo fortemente para o reajuste do produto no mercado interno. A Rússia, maior importador do produto brasileiro, voltou a comprá-lo com toda a força este ano. Com isso, após a forte queda no ano passado, as exportações nacionais recuperaram o ritmo de crescimento registrado em 2008, ano em que os frigoríficos bateram todos os recordes.

Somente em julho, o envio de carne bovina para fora do país cresceu 29%, totalizando US$ 470 milhões. No acumulado do ano, o total comercializado foi de US$ 2,8 bilhões, valor 24% acima do registrado no mesmo período de 2009, conforme dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). De acordo com a entidade, a procura é grande tanto dentro quanto fora do país, e essa combinação fatalmente recai sobre os preços, que voltaram a subir. Entretanto, o preço da arroba ainda está longe do pico de R$ 120 registrado há dois anos.

Pãozinho caro De acordo com Silva, outros produtos, como a farinha de trigo e o óleo de soja, já sofreram forte alta neste mês. Somente o trigo já subiu 25%, informou o responsável pelas compras da unidade do Veneza. E, quando o trigo sobe, obviamente, o café da manhã e as massas também devem ficar mais caros. Está previsto um aumento de 10% no preço do produto nos próximos dias. O pãozinho já vem sofrendo vários aumentos e isso deve continuar, apesar da redução do imposto de importação, lembrou o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz. Mais uma vez, a Rússia e também a seca contribuíram para a oscilação. Vítima do fenômeno climático e fornecedor de trigo brasileiro, o país recentemente declarou estado de emergência.

Mas na contramão disso tudo vem o leite, cujos preços estão em queda livre e têm ajudado a conter uma alta ainda maior nos preços. O economista da FGV lembrou que o recuo no preço da bebida é reflexo do aumento da oferta no primeiro semestre. Como houve um reajuste elevado em abril, o consumidor foi mais esperto e comprou menos leite quando o produto começou a ficar muito caro. Isso ajudou a derrubar os preços no meio da entressafra, acrescentou Braz.

Edson Alvez Novaes, gerente técnico e economista da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), reforça o raciocínio. Segundo ele, os preços em Goiás estão em queda graças à queda do longa vida, que despencou 3,89% em julho e contribuiu com redução de 0,20 ponto percentual no índice de inflação. Estamos em plena entressafra, os preços do leite estão caindo e segurando uma alta maior no IPC (Índice de Preços ao Consumidor) medido pela Secretaria de Planejamento do estado de Goiás, disse. Segundo ele, em julho, o IPC goiano recuou 0,17% e a carne subiu 0,33%.

Âncora verde Além do leite, as frutas e as verduras estão segurando a alta nos índices de inflação, pois o cultivo desses produtos é mais favorável quando há menos chuvas, fenômeno conhecido como a âncora verde. Frutas e hortaliças têm contribuído bastante para o controle da inflação nos últimos dias e, graças a elas, a alta nos preços neste mês não tem sido tão elevada, afirmou Braz, acrescentando que as prévias de agosto do IPC medido pela FGV vêm apresentado alta entre 0,17% e 0,20%. Outros produtos, como arroz e feijão, estão com os preços estáveis e, com isso, estão segurando a inflação neste mês.

Para o economista, ainda existe uma estabilidade nos preços tanto para o produtor quanto para o consumidor, mas, se a estiagem continuar até outubro, é provável que o impacto nos custos será bem maior. O ano de 2009 foi atípico, pois o período de seca foi bem curto, e agora fica difícil prever o que vai acontecer, disse.

GM faz recall no Agile Um defeito na mangueira de alimentação de combustível do Agile levou a General Motors a convocar 59.714 proprietários do modelo fabricado em 2010 e em 2011. A montadora detectou que a falha no equipamento pode provocar o vazamento de combustível, levando o compartimento do motor a um incêndio. Os atendimentos terão início em 13 de setembro na rede de concessionárias da marca. Por se tratar de um problema que traz risco à segurança dos usuários, o Procon de São Paulo orienta que os consumidores exijam atendimento imediato para reparo do problema. O proprietário que encontrar dificuldades para fazer a substituição deverá procurar o órgão de defesa do consumidor.

O ano de 2009 foi atípico, pois o período de seca foi bem curto, e agora fica difícil prever o que vai acontecer

Frutas e hortaliças têm contribuído para o controle da inflação nos últimos dias e, graças a elas, a alta nos preços não tem sido tão elevada

André Braz, economista da FGV