Título: Credores querem rastrear renda de Edemar
Autor: Prestes,Cristine
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2011, Finanças, p. C8

O Comitê de Credores do Banco Santos protocolou na Justiça um pedido para que o Ministério Público investigue a origem do dinheiro gasto nos últimos seis anos por Edemar Cid Ferreira, ex-controlador da instituição. Em 2005, quando a falência do banco foi decretada, todos os bens do ex-banqueiro foram bloqueados, incluindo contas bancárias, imóveis e obras de arte. No entanto, segundo a denúncia do comitê, Edemar Cid Ferreira vive "nababescamente como se nada tivesse acontecido".

O pedido do Comitê de Credores baseia-se em documentos encontrados na casa de Edemar Cid Ferreira após seu despejo, no início deste ano. A mansão, localizada no Morumbi, bairro nobre da capital paulista, é hoje administrada pela massa falida do Banco Santos, que arrecadou no local livros contábeis de algumas das empresas do ex-banqueiro, informações sobre a movimentação de caixa de seu escritório, instalado na própria residência, e relatórios de despesas da família nos meses que antecederam o despejo (leia matéria abaixo).

De acordo com esses documentos, o gasto de Edemar Cid Ferreira entre os meses de junho de 2010 e janeiro deste ano oscilou entre R$ 54,8 mil e R$ 239,3 mil mensais. A maior parte das despesas refere-se ao pagamento de salários de funcionários da mansão - incluindo um salário mensal de R$ 30 mil pago à esposa do ex-banqueiro, Márcia de Maria Costa Cid Ferreira -, material de escritório e manutenção da casa. Somente a conta de luz da mansão - com cinco andares, um elevador, duas piscinas, heliponto e um jardim suspenso - chegou a somar R$ 16.114,15 em dezembro do ano passado. Já o plano de saúde do ex-controlador do Banco Santos, segundo os documentos, custava a ele mais de R$ 9 mil mensais. Os registros de gastos ainda incluem pagamentos realizados a diversos advogados, tradutores juramentados e serviços de táxi e de motoboy. A média de gastos nos últimos meses em que Edemar viveu na mansão foi de R$ 163,6 mil ao mês.

Segundo a petição protocolada na 2ª Vara de Falências da capital paulista, onde tramita o processo falimentar do Banco Santos, os credores estão "extremamente revoltados com a desfaçatez" demonstrada pelo ex-banqueiro, que estaria "fazendo pouco da sociedade, dos credores e das autoridades monetárias, da Fazenda e da Justiça". O comitê pede que o Ministério Público tome medidas para identificar a procedência dos "milhões de reais que vem sendo gastos em espécie (por Edemar) há tanto tempo" e que acione autoridades da Fazenda, como o Banco Central, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e da Justiça, como a Polícia Federal.

Despesa de R$ 163 mil mensais, em média, foi descoberta na mansão do ex-banqueiro após o despejo da família

A desconfiança dos credores é de que Edemar Cid Ferreira tenha bens ou contas bancárias no exterior não rastreados no processo de falência e na ação criminal em curso na Justiça Federal - na qual o ex-banqueiro foi condenado em primeira instância a 21 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha e da qual aguarda o julgamento da apelação pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região. Segundo o Comitê de Credores, o dinheiro gasto pelo ex-controlador do Banco Santos nos últimos anos estaria vindo dessas contas, por meio de operações de dólar-cabo, ou da venda de bens que não teriam sido encontrados durante as investigações feitas no âmbito do processo penal.

De acordo com Jorge Queiroz, presidente do Comitê de Credores do Banco Santos, a identificação da origem desses valores seria uma espécie de rastreamento dos recursos desviados do Banco Santos pela via inversa. Isso porque a massa falida da instituição ainda tenta encontrar contas bancárias e bens de Edemar Cid Ferreira no exterior por meio de escritórios especializados na recuperação de ativos desviados para outros países. "É preciso buscar bens lá fora mas também por aqui, fazendo o caminho inverso", diz Queiroz.

Os procedimentos de busca de bens e valores supostamente mantidos por Edemar no exterior estão sendo realizados desde o fim do ano passado pelo escritório americano Astigarraga Davis, especializado em recuperação de ativos desviados de empresas e países e contratado pela massa falida do Banco Santos. Para viabilizar a busca, o escritório conseguiu, na Justiça dos Estados Unidos, a extensão da falência do banco no país, o que permitiu que fossem encaminhados a diversos bancos pedidos de informação sobre contas e movimentações bancárias de Edemar e das 60 empresas não-financeiras abertas por ele e por seus familiares em vários países. Outros pedidos de extensão de falência já foram feitos e concedidos em outros países. Agora a massa falida e seus advogados estão recebendo as informações dos bancos. O administrador judicial do Banco Santos, Vânio Aguiar, afirma que a busca por ativos no exterior corre em segredo de justiça e, por isso, não pode revelar qualquer informação sobre as investigações. Mas diz que, se for o caso, elas começarão a dar frutos daqui a seis meses. "É um novelo de lã que não se sabe onde vai parar", afirma.

Fontes que acompanham o caso do Banco Santos afirmam que há diferentes versões para a origem dos recursos despendidos por Edemar Cid Ferreira nos últimos anos. Uma corrente acredita que ele teria vendido sua valiosa adega, enquanto outra crê que ele tenha se desfeito de obras de arte no exterior. E há os que apostam na possibilidade de haver contas bancárias no exterior até hoje não descobertas. Ao Valor, o ex-banqueiro disse que vive da ajuda de amigos, já que desde a intervenção em seu banco ele e sua esposa estão com os bens bloqueados e não podem ter contas bancárias. "Não posso nem trabalhar, porque se receber algum dinheiro ele é imediatamente bloqueado", diz.

O promotor que acompanha o processo de falência do Banco Santos, Eronides dos Santos, do Ministério Público de São Paulo, afirma que ainda não tomou conhecimento do pedido do Comitê de Credores. Ele diz, no entanto, que, a depender de seu teor, pedirá diligências no âmbito da ação civil pública aberta para apurar a responsabilidade de Edemar Cid Ferreira na falência do banco. "A ação civil pública é a garantia dos credores de que, se os bens da massa falida forem insuficientes para pagar o total das dívidas, o patrimônio do ex-banqueiro responde subsidiariamente por elas", diz o promotor.