Título: Ganhos de eficiência
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2011, Especial energia, p. F1

Para o Valor, de São Paulo

Com uma matriz de energia elétrica baseada em fontes renováveis, com destaque para as hidrelétricas, que respondem por cerca de 80% da geração de energia no país, o Brasil terá de superar vários desafios ao longo desta década para expandir a capacidade do sistema e atender à crescente demanda prevista para os próximos anos. A média do consumo nacional é de 2.400 kWh por ano, abaixo do patamar médio mundial de 2.900 kWh, dos 3.300 kWh no Chile e Argentina e bem abaixo dos 12 mil kWh dos Estados Unidos. A tendência é que esse número cresça de forma paralela ao aumento de renda dos brasileiros.

Para atender à demanda e fazer com que a capacidade do sistema passe de 110 mil MW para 171 mil MW no fim década, serão investidos R$ 190 bilhões em projetos, dos quais boa parte já foi contratada por meio de leilões. O montante a ser investido em novas usinas - ainda não contratadas ou autorizadas - é de cerca de R$ 100 bilhões, sendo 55% em hidrelétricas e 45% no conjunto de outras fontes renováveis, de acordo com o Plano Decenal 2020. O documento ressalta que, se as licenças ambientais para esses projetos não forem obtidas a tempo, o governo terá de dar prioridade às usinas térmicas a gás.

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Nos últimos oito anos, mais de 30 milhões de pessoas ascenderam de classe social no Brasil. Essa migração fará com que, ao longo dos anos, muitos brasileiros deixem o guarda-chuva das tarifas subsidiadas e tenham de desembolsar mais pela conta de luz, o que coloca outro desafio: reduzir o peso de encargos e tributos, que respondem por metade da conta e também desestimulam a indústria. A ascensão social também expõe a necessidade cada vez maior de investimentos em racionalização de energia. "O Brasil terá de adotar políticas amplas de eficiência energética porque pode haver grande elevação do consumo de aparelhos mais baratos e menos eficientes", afirma o ex-presidente da Eletrobrás e da Light, José Luiz Alquéres.

A pressão de demanda não será sentida apenas nesta década. Segundo estimativas do diretor do Instituto de Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, até a década de 2040, a população brasileira deve atingir 220 milhões de pessoas e o consumo per capita de energia chegará a 5 mil kWh por ano, mais que o dobro do patamar atual. Trata-se de um padrão comparável ao de Itália e Espanha. "O Brasil tem grande potencial hidrelétrico e eólico para atender a esse desafio e manter a matriz limpa", analisa Sauer.

O país tem cerca de 90% de sua matriz elétrica - que exclui petróleo e derivados e etanol - baseada em fontes renováveis, considerando hidrelétricas, usinas de biomassa e eólica. Nas estimativas da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), estatal responsável pelo planejamento do setor, entre 2011 e 2020, a demanda de energia elétrica deve ter alta de 4,8% ao ano, enquanto a capacidade de geração irá passar de 110 mil MW para 171 mil MW em 2020.

Até o fim da década, a participação das hidrelétricas cairá de 80% para 67% na matriz, mas a geração de fontes alternativas, como a de usinas eólicas, de térmicas à biomassa e de PCHs, vai dobrar em dez anos, de 8% para 16%. A geração eólica será destaque, aumentando de 1% para 7%. "Mesmo com o pré-sal, o Brasil continuará, tanto na matriz elétrica quanto energética, tendo grande participação das fontes renováveis, porque o etanol, as hidrelétricas, biomassa e eólicas continuarão tendo destaque", diz o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim.

Manter a matriz elétrica limpa exigirá conciliar interesses diversos. Hoje cerca de 70% do potencial hidrelétrico está na região Amazônica. Essa energia tem um dos mais baixos custos de produção do mundo, o que favoreceria seu uso, mas construir empreendimentos na região Norte implicará avançar em áreas florestais, o que tem deixado ambientalistas do mundo inteiro com o pé atrás.

O avanço das hidrelétricas na região Amazônica incorpora um outro conceito: o das usinas a fio d"água, que, por aproveitarem a vazão do rio, dispensam a construção de grandes reservatórios como se fazia antigamente, permitindo assim a diminuição da área alagada.

Mas reduzir o tamanho do reservatório significa também diminuir a energia armazenada, uma vez que no período de chuvas os grandes reservatórios acumulam água para geração posterior. Em períodos de estiagem, o trabalho é inverso, o que exige o acionamento de outras fontes para dar segurança ao sistema.

"Como o governo tem um planejamento hidrotérmico, essa escolha exige uma energia de segurança térmica, já que sem água essas hidrelétricas param de funcionar", afirmou Augusto Rodrigues, diretor de comunicação empresarial da CPFL Energia, em recente seminário. Em 2006 e 2007, por conta de atraso na obtenção de licenças ambientais para hidrelétricas, o governo federal fez leilões contratando térmicas a gás natural e a óleo diesel, mais caras e mais poluentes que os empreendimentos de fonte hídrica. "Houve um aumento da energia térmica, que em 2001 mal representava 4% da matriz e hoje responde por mais de 10%, por conta do atraso nas hidrelétricas", diz Alquéres.

Em paralelo, ampliar ainda mais o uso da energia eólica, que deve pular de 1 mil MW para 7 mil MW em 2015, também exigirá esforços. Boa parte dos empreendimentos fica no litoral da região Nordeste, que tem no turismo uma importante fonte de receita local. "Será que os prefeitos dessas cidades vão querer continuar expandindo e instalando centenas de usinas com estruturas grandes ao longo da costa, com ventiladores poluindo a visão da orla?", questiona um especialista.

Apesar dos muitos questionamentos, o balanço entre oferta e demanda no setor elétrico nos próximos quatro anos é de tranquilidade, segundo a EPE e as empresas. Nas contas de Tolmasquim, haverá uma folga de até 5.000 MW médios no período, sendo que 70% da expansão de capacidade até 2020 já está contratada. "Podemos crescer sem sobressaltos no setor elétrico", afirma. Para um executivo de uma distribuidora, com o recrudescimento da crise mundial, o excedente de energia elétrica deve superar 1% em 2011, uma folga pequena por conta dos atrasos da entrada em operação de algumas usinas térmicas a gás. Mas a entrada gradual das usinas do rio Madeira fará o excedente chegar a 4,5% em 2012 e a 8% em 2014, o que sinalizaria baixo risco de déficit no abastecimento à rede nesse período.

Um dos grandes desafios que se impõem diante de tantos novos projetos de energia elétrica, sem contar a exploração gradual do pré-sal, e que exige a gestão de uma ampla rede de fornecedores, está no financiamento. Para equacionar esse problema e aumentar os recursos disponíveis em infraestrutura, no fim de dezembro, o Ministério da Fazenda anunciou um conjunto de medidas para buscar aumentar a participação do mercado de capitais na infraestrutura. Hoje grande parte da carteira de crédito ao setor com vencimento superior a cinco anos está concentrada em três bancos: BNDES (60%), Caixa Econômica Federal (15%) e Banco do Brasil (12%).