Título: Saída de Ellen do STF priva mensalão de voto rigoroso
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2011, Política, p. A6

Judiciário: Candidatas mais cotadas à vaga no Supremo têm perfil mais próximo da classe política

De Brasília A aposentadoria antecipada de Ellen Gracie, que foi publicada no "Diário Oficial" de ontem, tirou do Supremo Tribunal Federal (STF) um voto que certamente seria rigoroso no caso do mensalão. E para o lugar da ministra deve ser indicada jurista de perfil menos forte na área penal. As principais candidatas não são conhecidas por um rigor nessa área, como foi o da ministra Ellen, e ainda terão de ser aprovadas pelo Senado, que vai verificar o pretenso rigor dos indicados sobre a classe política, antes de levar o nome da pessoa indicada para o STF a votação.

A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar, que é forte candidata, pois trabalhou com a presidente Dilma Rousseff, é constitucionalista. Na área penal, Elizabeth acredita que a pena mínima de um ano para quem consumiu drogas é excessiva. Ela defende que o consumo tenha pena diferente do tráfico de entorpecentes.

A procuradora do Estado de São Paulo e professora da PUC, Flávia Piovesan, que está bem cotada para a vaga devido à proximidade com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e com o vice-presidente da República, Michel Temer, é especialista em Direitos Humanos e em Direito Internacional.

Já a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é especialista em penal e bem vista entre ministros do STF. Mas, pesa contra a sua eventual indicação, o fato de o integrante mais recente do STF, o ministro Luiz Fux, ter vindo do STJ. Dificilmente, a Presidência da República faz a indicação de duas pessoas do mesmo tribunal em sequência.

Também estão cotadas para o cargo a ministra Maria Cristina Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho, a desembargadora Neuza Maria Alves da Silva, do Tribunal Regional Federal de Brasília, a ministra Fátima Nancy Andrighi, do STJ, e a juíza Sylvia Steiner, do Tribunal Penal Internacional.

A indicação da substituta de Ellen deve ser decisiva para o julgamento do mensalão, pois, atualmente, o STF é uma Corte dividida em processos envolvendo políticos. De um lado, há ministros que acreditam que apenas com provas cabais e diretas de que o político cometeu um ato criminoso é possível condená-lo. Para essa corrente, não basta a descrição de uma sequência de fatos que levem, pela lógica, a concluir que o político cometeu o crime. Seria necessária a "fotografia", ou seja, a prova incontestável do ato delituoso.

De outro lado, existem ministros que entendem que indícios de autoria são suficientes para verificar a relação entre o beneficiário e o crime que ele teria cometido. Essa corrente defende medidas duras contra os políticos até para servir de exemplo para que crimes semelhantes não se repitam no futuro.

Dentro dessa divisão na Corte, Ellen se manifestou não apenas pela condenação de políticos em processos importantes. A ministra também foi contrária às chicanas que os advogados do mensalão utilizaram para atrasar o julgamento. Ela teve participação decisiva quando os ministros discutiram se deveriam desmembrar a ação para deixar no STF apenas os réus que tinham foro privilegiado no STF, enquanto os demais responderiam na 1ª instância. Ellen defendeu que o Supremo tem competência e capacidade para julgar qualquer caso envolvendo políticos.

Em 11 anos no STF, a ministra ficou conhecida pela rigidez penal. Logo em seu primeiro ano, no STF, em 2001, deu um voto crucial a que o STF passasse a considerar o estupro como crime hediondo, e não, como antes, atentado violento ao pudor. Esse entendimento levou a penas mais duras contra estupradores.

Em casos envolvendo crimes famosos, a atuação de Ellen também foi decisiva. Relatora do pedido de habeas corpus do casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, acusados de matar a menina Isabella, a ministra negou o pedido. A estudante Suzane Von Richthofen, acusada de matar os pais, também teve negado por Ellen um pedido de habeas para responder ao processo em liberdade. Em 2009, a ministra não deixou o médico Roger Abdelmassih sair da prisão para responder às acusações de estupro contra ex-pacientes. Em todos esses casos, utilizou razões processuais, principalmente, a Súmula nº 691 do STF que o impede de julgar habeas contra decisão de outro tribunal superior.

A saída de Ellen também deixa uma lacuna para o Ministério Público, que é o autor de ações contra políticos na Corte. A ministra foi procuradora da República por 16 anos. O último indicado que veio do MP foi Joaquim Barbosa, em 2003. Desde então, o STF perdeu ministros advindos do MP, como Sepúlveda Pertence, sem reposição de novos.