Título: Mesmo sem existir, eles não desistem
Autor: Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 01/09/2010, Brasil, p. 9

Alunos de colégios indígenas em Roraima que não foram incluídos no Censo Escolar brigam para manter os estudos ainda que não recebam dinheiro para material e merenda

Em 15 escolas da tribo indígena ianomâmi, localizadas em Roraima, cerca de 300 estudantes aprendem uma nova lição este ano: a de que é preciso continuar estudando, ainda que eles não existam, oficialmente, para o Estado. E não existir, nesse caso, significa não receber dinheiro para o material didático, para a merenda escolar e para garantir o próprio funcionamento da escola. Essas unidades não foram incluídas no Censo Escolar 2009 e, para garantir a inclusão no cadastro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) deste ano, tiveram que apelar ao Ministério Público. No último dia 19, dois Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) apresentados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual (RR) foram assinados para garantir os direitos legais de as escolas indígenas serem cadastradas.

De acordo com o coordenador de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação (MEC), Gersem Baniwa, as escolas indígenas podem, eventualmente, não ser cadastradas por motivos adversos como a dificuldade de acesso às unidades, o custo de se chegar até elas no caso do transporte aéreo , os problemas de comunicação e até o nomadismo de algumas comunidades. Muitas vezes é preciso percorrer enormes distâncias para fazer o cadastramento anual dessas escolas. Mas ainda que seja uma tarefa difícil e que ainda exija muito recurso, mais de 95% das escolas indígenas do país fazem parte do Censo Escolar, argumenta Baniwa. Além da região dos ianomâmis, o coordenador aponta ainda outras duas com acessos mais complicados: a Terra Indígena Vale do Javari (AM) e o Parque Indígena do Tumucumaqui (PA/AP).

O Instituto Socioambiental, uma das instituições que acionaram o Ministério Público na defesa da educação indígena do estado, afirma que as motivações para a exclusão de escolas da região foram outras. Entre elas, o pouco tempo para o cadastramento e a não aceitação de particularidades vinculadas à tradição dos povos indígenas. Em alguns casos, a Secretaria de Educação desconsiderou escolas que estavam em funcionamento por causa de questões vinculadas à tradição. Nessas tribos, por exemplo, os rituais se sobrepõem ao calendário formal. Por isso, muitas vezes a educação existente não consegue se encaixar nos exigidos 200 dias letivos da educação formal. A educação ianomâmi também não é seriada, como o Censo exige. Essa exigência só faz com que as séries sejam forjadas, sem corresponder à realidade, defende a coordenadora do projeto de Educação do Instituto Socioambiental (ISA), Lídia Montanha Castro.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação de Roraima, mas não obteve retorno até o fechamento da edição. O TAC foi assinado pela secretaria, pelo Conselho Estadual de Educação de Roraima, pelo Inep e pela Funai.

O cadastramento de escolas indígenas é, financeiramente, benéfico aos estados. Isso porque a verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por aluno, é 20% superior no caso da destinação à educação indígena. No caso da verba destinada à alimentação, é 40% superior. O secretário executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena Iepé, que realiza formação de professores em comunidades indígenas do Amapá e do norte do Pará, afirma que, no entanto, o recebimento da verba não corresponde à melhoria das unidades indígenas, na região. Os estados começaram a receber verba destinada à educação indígena, mas as escolas não começaram a ter mais apoio estatal nem em infraestrutura, nem em formação.

Aumento Apesar do cenário de dificuldade de acesso e não cadastramento de algumas escolas, o Ministério da Educação aponta um aumento no número de matrículas de estudantes indígenas, entre 2003 e 2008, de 165.021 para 205.871. Um fator que promete não só aumentar ainda mais o número de matrículas como também qualificar a educação indígena foi a publicação do Decreto nº 6.861/2009, de 27 de maio. O decreto cria territórios etnoeducacionais, com o objetivo de articular diversos órgãos públicos para o atendimento diferenciado aos povos indígenas por meio de etnias e não mais por unidades da Federação. Ontem e anteontem, em Roraima, uma reunião criou uma comissão para gerir o território onde os ianomâmis se encontram. O Ministério da Educação afirma que, a partir da criação dos territórios, será mais facilitada a atuação das diferentes esferas de governo na educação indígena, assim como a fiscalização da aplicação da verba.

As prioridades na educação do próximo governo serão conhecidas tão logo o presidente eleito ocupe sua cadeira e efetive as promessas que permeiam seus discursos. Mas se depender de 27 instituições da sociedade civil, essas prioridades já estão traçadas e prontas para serem implementadas. Elas lançaram ontem uma carta-compromisso com sugestões ou desafios para os próximos governantes, discriminando ações relacionadas a quatro compromissos principais: a ampliação adequada do financiamento da educação pública, a implementação de ações concretas para a valorização dos profissionais da educação, a promoção da gestão democrática e o aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação. A carta será entregue aos três candidatos à Presidência com mais êxito nas pesquisas de intenção de voto até agora, ou seja, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.

O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Antonio Ronca, frisa a importância da carta: Nós defendemos questões que, se o próximo governo não escolher cumprir, teremos que convencê-lo a cumprir. São desafios básicos, já determinados pela Constituição, como a inclusão de todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos na escola. Trata-se do direito à educação, defende. Além dessa medida, que está determinada para ser cumprida até 2016, a carta elencou outras questões como a universalização do atendimento da demanda por creche, manifestada pelas famílias, nos próximos dez anos; a superação do analfabetismo, especialmente entre os brasileiros com mais de 15 anos; e o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade para todas as escolas brasileiras.

Um dos pontos mais polêmicos, no entanto, está ligado ao financiamento. A carta prevê a destinação de 10% do PIB para a educação pública, até 2014 atualmente são vinculados cerca de 4,7%. As instituições ainda definem a divisão do montante: 8% devem ser investidos em educação básica e os outros 2%, na ampliação e qualificação do ensino superior público. Entre as instituições que assinaram a carta estão a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Unesco, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento Todos Pela Educação. (LL)