Título: Foi o dólar que foi rebaixado, não os EUA
Autor: Eduardo Campos
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2011, Finanças, p. C2
O que foi rebaixado pela agência de classificação de risco Standard & Poor"s não foi a nota de crédito soberana dos Estados Unidos, mas sim o dólar. Foi a moeda americana que deixou de ser "AAA".
Tal avaliação decorre do simples fato de que um calote americano é impossível. Eles devem em dólar e são eles os responsáveis pela emissão da moeda. Sempre que necessário basta ligar a impressora.
No entanto, é exatamente esse o risco em questão. A perda real para quem tem papéis americanos. Quanto mais dólares em circulação menos eles valem, simples assim.
O assunto foi abordado por Paul Brodsky e Lee Quaintance, responsáveis pela QB Asset Management, em interessante artigo publicado no site Zero Hedge (www.zerohedge.com/news/ qbamcos-take-us-downgrade).
Para os especialistas, a dívida do Tesouro dos EUA em termos reais (isto é, ajustadas pela inflação e poder de compra do dólar) não são grau de investimento. Eles acreditam que os títulos são um "bem monetário", só que o principal e os juros serão pagos com "moeda ruim".
Encarando a questão dessa maneira, a ação da S&P também é uma crítica velada à política americana dos últimos três anos.
Embora não declarada, a "política do dólar fraco" é o que norteia as ações do governo e, principalmente do Federal Reserve (Fed), banco central americano.
Ao derrubar e segurar os juros próximos de zero e pintar o mundo de verde via compra de títulos o que se busca é a queda da moeda americana. Essa foi a estratégia escolhida para tirar o país da recessão.
O dólar baixo estimula as exportações americanas, afasta o pesadelo da deflação, pois dá fôlego às commodities, e também tem um efeito sobre a confiança do consumidor ao estimular a valorização das bolsas de valores.
Como não existe almoço grátis, essa política tem seu custo e, mais do que isso, parece ter atingido seu limite. A prova máxima disso foi o efeito deletério da alta do petróleo no começo do ano sobre o consumo do americano e seus desdobramentos sobre toda a atividade nos EUA. Estragos que começaram a aparecer recentemente nos indicadores econômicos.
A questão ganha contornos ainda mais complexos conforme o mercado clama por uma ação do Federal Reserve (Fed), banco central americano.
Uma nova rodada de compra de títulos ou coisa parecida (um Quantitative Easing 3) representaria a adição de ainda mais dólares no mercado. Ou seja, quem tem juros e principal a receber do Tesouro dos EUA terá seu crédito pago em uma moeda que não vale mais o que valia.
Uma resposta do Fed será conhecia ainda hoje, após a reunião de seu colegiado.
Uma indicação de que parte relevante do mercado foge cada mais do "risco dólar" é a firme valorização do franco suíço e do iene. Os agentes não querem saber do rendimento pago por esses países, mas sim garantir recebimento em uma moeda que acreditam estará mais forte do que o dólar em termos reais. Aqui se pode somar a percepção de que toda essa emissão de moeda nos EUA invariavelmente vai acabar em inflação em algum momento.
Isso tudo, no entanto, ainda não é a regra no mercado. Conforme vimos ontem, o dólar subiu com firmeza no mundo todo, perdendo apenas para os dois novos "portos seguros" acima citados.
Como bem disse um gestor, quando a aversão a risco impera, a resposta inata do mercado é comprar dólares e títulos da dívida americana.
Por aqui, o dólar comercial teve a maior alta do ano ao avançar 1,44%, para R$ 1,61 na venda, maior preço desde 16 de junho. Como disse um operador, considerando que a Bovespa caiu mais de 8% no dia, o dólar está "relativamente bem comportado".No mercado futuro, o desespero bateu apenas no fim do dia. O contrato com vencimento em setembro disparou 3,21%, para R$ 1,6385, antes do ajuste final de posições.
Esse salto no fim do pregão já garante ao menos um ajuste de alta para o dólar à vista na abertura dos negócios nesta terça-feira.