Título: Crescimento com ou sem exclusão
Autor: Ferreira, Pedro; Fragelli, Renato
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2011, Opinião, p. A13

Há por parte de alguns economistas e políticos de esquerda uma nostalgia dos anos dourados do crescimento brasileiro, que iria do pós-guerra até o fim dos anos 70. O crescimento acelerado nestes anos leva muitos a separarem as escolhas econômicas do ambiente político e do quadro social, e olhar como altamente positivo o resultado final das políticas nacional-desenvolvimentistas. Diferentemente do ocorrido naqueles anos, o crescimento atual se dá em regime democrático e com melhoria da distribuição de renda.

A persistência da atual retomada, entretanto, exige um diagnóstico racional dos erros e acertos do passado, para que não se cometam no presente os erros que podem levar a frustrações no futuro.

Entre 1950 e 1979, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a mais de 7% ao ano, ou 4,4% em termos per capita. No período, a renda média do brasileiro aumentou três vezes e meia. A base produtiva diversificou-se de forma expressiva permitindo que uma nação que antes da guerra tinha mais de 60% de sua mão de obra no campo, chegasse em 1980 com metade dessa figura e produzindo os mais diversos tipos de produtos industriais.

Esse o lado bom: crescemos muito. Para atingirmos isso, além de um cenário internacional altamente favorável, contamos com uma série de agressivas políticas econômicas. Entre elas a substituição de importações, que se iniciou com bens de consumos duráveis, mas nos anos 70 se estendeu para bens de capital e intermediários. Além disso, houve uma participação decidida do estado na economia, com produção direta em setores considerados estratégicos, gigantescos investimentos em infraestrutura e financiamento subsidiado ao investimento privado.

Essa estratégia de crescimento ignorou ou deu baixíssima prioridade à educação. Suas políticas sociais eram quase inexistente e por falta de foco não atingiam os pobres. Esse o lado ruim do Nacional Desenvolvimentismo: os benefícios do alto crescimento não chegaram ao grosso da população brasileira. Em 1970, 33% dos adultos brasileiros não sabiam ler (54% no Nordeste!) e a média de escolaridade da população adulta era de 2,4 anos de estudo, sendo que em 13 estados essa média não passava de dois anos. O percentual de pobres na população era de 67%, isto é, dois em três brasileiros. A mortalidade infantil no Nordeste era de 180 mortos por mil nascidos, quando a média na América do Sul era menos da metade dessa cifra e nos Estados Unidos exatamente um décimo.

O lado ruim não fica por aí. Segundo dados do Centro de Políticas Sociais da FGV, entre 1960 e 1970, a renda dos 5% mais ricos aumentou 75%, mas a da metade mais pobre somente 15%. A desigualdade de renda que já era alta experimentou no período sua maior deterioração decenal em todos os tempos.

Hoje já está bem estabelecido que fatores ligados à educação são os principais determinantes da pobreza e da distribuição de renda. Assim, por trás desse trágico quadro de exclusão e miséria observado durante o período Nacional-Desenvolvimentista estão as escolhas de política econômica, que basicamente privilegiaram o investimento em capital físico e ignoraram o capital humano, a educação e políticas compensatórias.

O reconhecimento da ligação entre nossa pobreza e as políticas de crescimento "estruturalistas" do passado seria fundamental para ordenar o debate atual sobre nossas escolhas de política econômica. Ao separar um assunto do outro - como se indicadores sociais tivessem vida independente e não fossem influenciados pela economia - economistas dessa corrente, muito deles em posições chaves no atual governo, defendem ou implementam políticas semelhantes àquelas do passado sem atentar para o caráter altamente regressivo e conservador das mesmas.

O Brasil vive nos últimos 15 anos um período único de crescimento com redução de pobreza. É verdade que o crescimento está abaixo do observado entre 1950 e 1980, mas ainda assim acima da média histórica dos países ricos: nos últimos 16 anos crescemos a 2,7% ao ano em termos per capita e quase 3% durante o governo Lula. Ao mesmo tempo, as medidas de desigualdade nunca estiveram tão baixas e a pobreza vem caindo aceleradamente, cerca de 68% desde o Plano Real e 16% somente em 2010. Embora ainda não haja consenso sobre as causas da queda da pobreza, parece certo que o fim da inflação, o aumento da educação e políticas sociais agressivas explicam grande parte das melhorias sociais.

Esse quadro deveria ser o nirvana dos economistas desenvolvimentistas e de esquerda. Entretanto, em sua grande maioria teimam em defender políticas concentradoras de renda ou repetir um mantra estruturalista altamente excludente, que é reproduzido por alguns desavisados e por muitos interessados. Como por exemplo, a desvalorização cambial a qualquer custo e subsídios ao investimento do grande capital para a formação de grandes grupos nacionais. Seria mais sensato que defendessem políticas realmente progressivas, como educação de mais qualidade, saneamento universal e fim dos subsídios, de forma que o benefício do crescimento atingisse ainda mais os pobres.