Título: Após Copom, medo da inflação ganha espaço
Autor: Pinto, Lucinda; Machado, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2011, Finanças, p. C3

Política monetária: Juros futuros e NTN-B atrelada ao IPCA mostram piora das expectativas do mercado

De São Paulo O Banco Central se livrou das amarras que o prendiam a mais aumentos do juro básico brasileiro, mas pode pagar um preço por isso. Ao excluir do comunicado divulgado após a reunião do Copom de quarta-feira a expressão "suficientemente prolongado" que se referia ao ciclo de aumento do juro, o BC evitou assumir compromissos sobre seus próximos passos. E, com isso, reacendeu o receio de que seu esforço no combate à inflação seja menos rigoroso do que o desejado. Essa interpretação fica evidente no comportamento da chamada inflação implícita das NTN-Bs (papéis do Tesouro atrelados ao IPCA). A expectativa para a inflação embutida no título com vencimento em 2014 disparou de 5,5% para 5,63% no pregão de ontem.

Também quando se olha para os contratos de juros futuros, negociados na BM&F, é possível observar um aumento da cautela. Enquanto os DIs de curto prazo ficaram praticamente estáveis, os contratos mais longos subiram, ampliando o que se chama de "inclinação positiva da curva". Ou seja, o diferencial entre os contratos de curto prazo e os mais longos aumentou, sugerindo que o mercado passa a enxergar mais risco de o BC ser forçado a subir o juro lá na frente. "O BC quis se desamarrar. Mas do ponto de vista de coordenação das expectativas, o comunicado não foi positivo", afirma o economista da Tendências Consultoria Integrada Silvio Campos Neto. "Essa situação de maior dependência dos dados pode deixar o mercado um pouco perdido, principalmente sobre a inflação de 2012." Antes de conhecer a decisão sobre os juros, a maioria do mercado já dava como certa uma nova alta da Selic em agosto, de 0,25 ponto. De 35 economistas ouvidos pelo Valor às vésperas da reunião, apenas dez contavam com o fim do ciclo de aperto monetário em julho. Para boa parte desses profissionais, a repetição do teor do comunicado da reunião de junho seria "a senha" para a confirmação da continuidade do aperto monetário, ao menos em agosto. A mudança do texto, portanto, pôs em dúvida os cenários e o que se via ontem eram previsões dispersas, que podem ser alteradas dependendo do teor da ata da reunião, que virá na quinta-feira que vem.

Claro que é o documento que explicará a decisão desta semana. Mas, antes de conhecê-lo, especialistas acreditam que um argumento razoável para a mudança no tom do comunicado são as dúvidas em relação ao cenário externo. Além da negociação do pacote de socorro da Grécia, que acabou sendo decidido no dia seguinte à decisão, existe o risco de o Congresso americano não aprovar a elevação do teto da dívida dos EUA. Assim, o BC pode ter ficado desconfortável em assumir compromissos. "Embora as chances de um default seletivo sejam muito menores, entendo, a partir da leitura do Relatório de Inflação, que o Banco Central quis ficar mais preparado para aguardar a definição desses eventos e evitar uma situação semelhante à de 2008", afirma o economista-chefe do J.P. Morgan, Fabio Akira, referindo-se ao episódio em que o BC prosseguiu elevando a taxa Selic em meio ao processo traumático da quebra do banco americano Lehman Brothers. "Havia, naquele momento, a teoria de que o Brasil estaria "descolado" da crise. Mas aí, houve a parada súbita de linhas de crédito no mundo, o que levou o país à maior recessão dos últimos anos", lembra.

A questão, diz Akira, é que se o cenário externo mais pessimista não se confirmar, então o ambiente doméstico justificará a continuidade do aperto. "Se o pior não acontecer lá fora e o BC não subir a Selic em agosto, então será mais custoso promover a convergência da inflação para o centro da meta em 2012", afirma. Akira prevê que, se a Selic subir para 12,75% este ano e permanecer inalterada ao longo de 2012, então o IPCA deve ficar em 6,5% este ano e em 5,3% no ano que vem. "Se não houver nova alta de juros em agosto, então eu reveria a projeção da inflação para cima", diz.

Akira considera que o aperto feito até agora não deve moderar a demanda em velocidade suficiente para conter as pressões inflacionárias, especialmente as vindas dos preços de serviços. Isso por causa do vigor do mercado de trabalho, que convive com o desemprego nos menores níveis da história, e alimenta a disposição dos consumidores em tomar crédito, mesmo com todo o esforço do governo em tornar as linhas mais caras e restritas. "Esse ambiente de desemprego forte, aliado ao mecanismo de indexação dos salários, diminui um pouco a duração do efeito das ações adotadas até aqui pelo governo", afirma.

Já Marcelo Carvalho, chefe de pesquisa econômica para América Latina no BNP Paribas, diz que o BC retirou a linguagem que indicava uma postura mais dura contra a inflação, mas isso não significa necessariamente que vai interromper os aumentos da Selic. "O que tem é que o BC está tentando ganhar mais graus de liberdade", diz. "E temos três temas para companhar: o que está na cabeça do BC [em relação ao quadro global]; o que acontece com as expectativas de inflação no Focus, que já estão altas; e se a condução da política econômica permite mesmo parar de subir o juro."

Ele lembra que o BC já "jogou a toalha" sobre a inflação deste ano, mas oficialmente não abriu mão do compromisso de levar o IPCA para o centro da meta no ano que vem. "Há tempo hábil suficiente para isso, desde que o governo esteja disposto a ver o crescimento desacelerando até abaixo do potencial [que está próximo de 4% atualmente]", pondera.

Hoje, segundo Carvalho, há uma inconsistência muito grande entre as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) perto do potencial e a esperança de que a inflação possa convergir para a meta central de 4,5%.

"Há de se reconhecer que a probabilidade de o BC parar de subir o juro aumentou, mas se de fato está comprometido com a convergência da inflação em 2012 tem que subir mais", avalia Carvalho, com a ressalva de que será precisar analisar na ata da reunião do Copom a visão do BC sobre o cenário externo.

"Mesmo antes, com a expressão "suficientemente prolongado", as expectativas de inflação já vinham piorando. Agora parece mais provável piorar ou ficar onde está do que melhorar."