Título: Destino da desinflação na agenda do CMN
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Brasil, p. A2

Em junho o governo terá que decidir, em reunião do Conselho Monetário Nacional, a meta para a inflação de 2008. A de 2007 foi fixada no ano passado, pelo CMN, em 4,5%, percentual idêntico ao deste ano. O ponto que se coloca na discussão que vai fundamentar a decisão do CMN, agora sob o comando do ministro Guido Mantega, e com a presença de novos diretores do Banco Central, é se será útil buscar mais rapidamente uma inflação "neutra" para o bom funcionamento da economia ou se o melhor é ir mais devagar com o andor. Há incertezas importantes quanto à possibilidade de cumprimento da meta de 2007 e, assim, há quem defenda que seria mais prudente repetir em 2008, pelo terceiro ano consecutivo, a meta de 4,5%. É bom salientar que em junho de 2004 o CMN estabeleceu como meta de longo prazo uma taxa de inflação de 4%, mas esse é um percentual que pode ser mudado a qualquer momento. Conforme o cenário de referência do Relatório de Inflação, divulgado na semana passada pelo Banco Central, que pressupõe juros constantes de 16,5% e câmbio próximo a R$ 2,15, a inflação do IPCA projetada para 2007 é de 3,9%, abaixo, portanto, da meta de 4,5%. Já nas projeções do mercado, que levam em conta juros menores e depreciação nominal da taxa de câmbio ao longo do horizonte da projeção, a inflação de 2007 seria bem maior, de 5,4%, acima do centro da meta embora ainda dentro do intervalo de tolerância de dois pontos percentuais (ou seja, até 6,5%). A tendência da inflação, assim, é declinante até o primeiro trimestre de 2007, com subseqüente elevação até o fim do ano.

-------------------------------------------------------------------------------- Proposta é repetir meta de 4,5% em 2008 --------------------------------------------------------------------------------

Em trabalho sobre o assunto para subsidiar o debate, intitulado "Cenários para as Taxas de Juros e Inflação para 2006/2007: Qual deveria ser a meta de inflação de 2008?", de autoria de três economistas do Ipea (Leonardo Mello de Carvalho, José Ronaldo de Castro e Fábio Giambiagi) e Eduardo Velho, economista-chefe da Mandarim Gestão de Ativos, são esmiuçados, em vários cálculos, diversos cenários para juros e câmbio. Os autores concluem que não será fácil atingir o centro da meta, de 4,5%, em 2007, tendo como premissa que haverá alguma desvalorização da moeda e continuada redução da taxa de juros. No estudo, traçam três hipóteses para o câmbio do próximo ano: R$ 2,30, R$ 2,50 e R$ 2,70. E três possibilidades para a taxa Selic: 16,5% (ultra-ortodoxa), 13,5% (consensual) e 10,5% (ousada). A análise combinada dessas possibilidades gera nove cenários, agrupados segundo a atitude da política monetária. Em apenas uma das nove hipóteses - juros de 16,5% e câmbio de R$ 2,30 - a meta de inflação de 4,5% é atingida. Em cinco casos, a variação do IPCA ficaria entre 4,5% e 5,5%, e em três, ficaria acima de 5,5%. Ou seja, não será trivial cumprir a meta de 2007 com os juros menores e alguma desvalorização cambial. "Portanto, seria uma atitude de cautela repetir, em 2008, a meta de 4,5%", advoga Giambiagi, lembrando que nada impede que, no final das contas, se tudo correr muito bem, o BC até consiga trazer a inflação para um percentual menor. Ele salienta que esse seria até um resultado pedagógico para deixar claro aos agentes econômicos que o centro da meta não é piso para a inflação. Para não passar ao mercado qualquer sinal de leniência, porém, o estudo, assinala José Ronaldo de Castro, sugere que o Conselho Monetário Nacional reduza a margem de tolerância dos atuais 2 pontos percentuais para 1,5 ponto percentual. Isso significaria baixar o teto da meta dos atuais 6,5% para 6%. Para quem ainda guarda na memória os elevadíssimos índices de inflação do passado, essa discussão parece firula. Mas não é. Nos sete anos de vigência do regime de metas para a inflação, a variação média do IPCA é de 8,2%. Uma inflação ainda bastante elevada para padrões internacionais. Em quatro desses sete anos, o IPCA ficou acima do teto da banda originalmente definida. O Brasil, assim, passa por uma fase de amadurecimento institucional dessa política. Os economistas (autores do texto citado) acreditam que o regime de metas só estará definitivamente aprovado quando a inflação se comportar sistematicamente dentro do intervalo de tolerância, aproximando-se gradualmente do centro da meta. Gradualmente o regime de metas deverá levar a inflação brasileira para os padrões mundiais, em torno de 2% a 3 % ao ano, no começo da próxima década e deverá ser consistente com um crescimento sustentado de 4% ou mais. Se as conclusões do estudo estiverem corretas e o CMN estabelecer a meta de 4,5% para 2008 - fazendo-a vigorar por três anos consecutivos, interrompendo-se, assim, o processo de desinflação - a economia brasileira poderá deixar definitivamente para trás os penosos tempos de taxa de juros reais elevadíssimas, e o Brasil se transformaria num país normal. Para que seja possível combinar inflação decrescente com maior crescimento, porém, não basta reduzir os juros. Será preciso aumentar a taxa de investimento e, portanto, a taxa de crescimento do produto potencial, o que só será possível com a implementação de mais reformas institucionais, que incentivem o investimento no aumento da capacidade de produção, assinalam os autores.