Título: Dívidas ainda assombram
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 01/09/2010, Economia, p. 15

Pesquisa mostra que 38% da população não têm condições de quitar débitos em dia

A situação econômica dos brasileiros melhorou e o nível de endividamento das famílias caiu. Mas o pagamento das contas continua assombrando 38% da população, uma parcela expressiva que ainda não tem condições de pagar suas dívidas, segundo o Índice de Expectativas das Famílias (IEF), levantamento domiciliar referente a agosto divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Curiosamente, os cidadãos com menor renda (até dois salários mínimos) são, ao mesmo tempo, os mais endividados e aqueles que não têm dívida alguma. Ou eles não entram no mercado de consumo e, portanto, não devem, ou, quando entram, não medem as consequências e o orçamento explode.

Os que devem mais são os adultos entre 30 a 50 anos, com ensino fundamental completo ou médio incompleto, negros ou amarelos, e que não recebem benefícios do governo. A dívida média dos brasileiros é de R$ 5.426,59 e 23% da população têm débitos de mais de cinco vezes o valor da renda mensal familiar. Mas as esperanças de melhorias incentivam o consumo. De acordo com o Ipea, 53% das famílias planejam gastar e comprar bens duráveis, contra 37% dos que acreditam que o momento é para cautela.

A doméstica Isabelina Sampaio Trindade, moradora do Varjão, é uma das que acreditam que a situação financeira vai melhorar, embora não faça ideia de como isso ocorrerá. Ela e o marido, que é jardineiro, vivem com R$ 1.200 por mês. Dos sete filhos e nove netos, apenas três estão empregados. Wodson, de 28 anos o caçula dos homens, como diz Isabelina não tem emprego fixo, mas faz bicos consertando computadores. A situação melhorou porque agora tenho uma casa. É a minha mansão. De resto, a gente vai vivendo. Se não tem queijo, passa manteiga no pão. Se não tem filé, a gente come coxão duro. O importante é não desanimar, ensinou.

Êxtase coletivo O estudo do Ipea também apontou que 73% disseram que vivem melhor atualmente, em comparação ao ano passado. E só 20% estão em pior situação. Se comparado por regiões, Centro-Oeste e Norte possuem a maior proporção de famílias que acreditam ter melhorado sua condição financeira (82%). No Nordeste, são 78%. No Sul e no Sudeste, a proporção é inferior, de 67% e 69%, respectivamente. Sozinho, o Centro-Oeste abriga os consumidores mais otimistas (68,14% dos entrevistados). A funcionária pública Jeanne Pereira reconhece o bom momento e destaca que o Produto Interno Bruto (PIB) do país deve crescer mais que 6% este ano, mas diz que não se deixa levar pela euforia. Analiso bastante a situação. Otimismo desenfreado é quase que um êxtase coletivo, criticou.

Na visão da empresária Maria Goretti Brito, do ramo da construção civil, o brasileiro tem natureza otimista e o ânimo no pais aumentou recentemente com os investimentos em bens e serviços. Ela teme, no entanto, que os exageros sejam prejudiciais à manutenção do bem-estar. A sensação de otimismo é boa, mas faz as pessoas ficarem afoitas. Estão endividando-se, sem cautela, e vão levar um susto quando a inadimplência explodir, alertou. As expectativas de melhora, entretanto, quando considerado um prazo de cinco anos, são mais moderadas. Entre as famílias brasileiras, 44,28% preveem piores momentos (29,19%) ou não sabem o que responder (15,09%).