Título: BC americano indica juro até 2013 e reforça problemas brasileiros
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2011, Finanças, p. C2

A mudança radical do comunicado do Federal Reserve, o banco central americano, sinalizando juro praticamente zero até 2013 apenas acentua os "problemas" brasileiros. O dólar continuará fragilizado no mundo e por aqui. O real permanecerá fortalecido. O diferencial de taxas de juros doméstica e externa não encolherá. E o Brasil manterá a privilegiada posição de importante catalisador de capital estrangeiro.

"A definição de juro perto de zero até 2013 pode ser vista como uma medida antipânico do Fed lançada para os mercados que estão muito nervosos desde a semana passada e aguardavam com ansiedade o comunicado do Comitê Federal de Mercado Aberto. Não podemos esquecer que muita gente se feriu com a queda generalizada das bolsas no mundo", comenta a economista Tatiana Pinheiro, do Santander. Ela destaca o clima de grande expectativa que rondava a reunião do Fed desta terça-feira. O mercado aguardava o comunicado da reunião e o anúncio do Quantitative Easing (QE3) - programa de recompra de títulos para ampliar a liquidez da economia e baixar o juro de longo prazo, incentivando o consumo das famílias, nos moldes do QE2 adotado no ano passado.

A probabilidade de o Fed lançar o QE3 era contemplada pelo mercado, mas considerada baixa por especialistas, explica Tatiana, porque a situação da economia americana hoje é diferente de 2010, especialmente quanto à inflação. "Ben Bernanke, presidente do Fed, já vinha associando outro programa de injeção de liquidez à deflação. Mas esse não é o quadro que se configura neste momento", diz a economista do Santander para quem o comunicado do Fed lança luz sobre a ata dessa reunião que será divulgada no dia 30 de agosto. "Os mercados certamente tentarão identificar o leque de instrumentos que o Fed avaliou nessa reunião e que poderá ser usado para ativar a economia num cenário de estabilidade de preços. Se algum dos instrumentos sugerir intervenção para ampliar a oferta de dinheiro, os mercados tendem a reagir positivamente por acreditar numa ação do Fed que pode levar a uma melhora das expectativas com o crescimento econômico americano e global."

Para o governo brasileiro, embora o Fed não tenha sinalizado a retomada da política de alívio quantitativo, a expectativa é de que o presidente do Fed, Ben Bernanke, repita a mesma estratégia do ano passado, quando lançou o QE2 na reunião anual de Jackson Hole, no Wyoming, no final de agosto. Não se descarta a possibilidade de o Federal Reserve decidir, desta vez, comprar bônus dos governos municipais americanos, promovendo uma injeção de gastos públicos por vias mais diretas do que pela recompra de títulos federais.

Monica de Bolle, sócia da Galanto Consultoria e diretora da Casa das Garças, pondera que a definição de 2013 para a manutenção do juro americano perto de zero não altera muita coisa. Na prática, indica que as condições atuais vão perdurar e que a taxa de juro não vai subir. Mas ela lembra que o prazo pode ser alterado: ser alongado ou reduzido mais adiante porque estará condicionado à evolução da economia americana. É exatamente assim, avaliando as condições do momento, que são tomadas as decisões de política monetária.

Monica não tem dúvida de que o Brasil continuará acolhendo mais capital externo. Mas ela não acredita, porém, que o comunicado divulgado ontem pelo Fed precipitará a vinda de mais investidores ou mais recursos para cá. "O dinheiro que tinha que vir para o Brasil virá de qualquer jeito. Com ou sem decisão do Fed", pondera a economista que evita uma associação direta, que chegou a ser feita por operadores locais ontem, entre a política de juros do Fed e uma eventual retomada do ciclo de corte da taxa Selic. Ela defende cautela na gestão da política de juro pelo Banco Central do Brasil. "Olhando a economia brasileira e a economia global neste momento, notamos que a perspectiva de crescimento pode ter sido adiada, mas isso não significa que há uma recessão prestes a acontecer. Não me parece prudente um corte de juro já pelo nosso BC. Este momento é bem diferente de 2008. Agora, a chance de ocorrer uma recessão global é inferior a 50%. Em 2008, era de 100%", cita.

Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, vê a manutenção do cenário de ampla liquidez global por tempo prolongado, o que leva a um dólar internacionalmente fraco no médio prazo. "É isso o que se desenha no horizonte, a partir da definição do juro pelo Fed até 2013. Haverá, portanto, uma apreciação persistente do real frente ao dólar e podemos ter mais inflação, dependendo de certa sustentação dos preços das commodities", avalia.

O economista-chefe do ABC Brasil reforça que o mercado internacional esperava o anúncio do QE3 ou comprometimento maior do Fed com algum tipo de intervenção na economia. Isso, não só pela turbulência atual dos mercados, mas porque está patente que a economia global está piorando. "A reação do Fed pode ser considerada modesta pelos mercados que certamente receberam o resultado da reunião com outra frustração. Desde 1992, uma reunião sobre a política de juros americana não apresentava dissidência como a vista agora. Os três dissidentes mostra que estamos longe de mais afrouxamento monetário. Não há QE3 a caminho", finaliza.