Título: Asiáticos do Bric batem no muro
Autor: Singh, Jaswant
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2011, Opinião, p. A13
Protestos contra a inflação dos alimentos abalam os dois países.
As credenciais democráticas da Índia não impressionaram Francis Fukuyama - que há 20 anos profetizou o "fim da história" - como catalisadoras para o crescimento econômico do país. Fukuyama vê "ingovernabilidade e política de clientelismo" em excesso na Índia - defeitos que estão em contraste gritante com o sistema político da China, mais ágil, embora não necessariamente mais limpo.A realidade é, no entanto, um pouco diferente. Os governos locais da China vêm acumulando montanhas de dívidas para financiar sua grande onda de obras, o que traz sérias preocupações quanto a possíveis moratórias. O próprio primeiro-ministro do país, Wen Jiabao, admite a necessidade urgente de resolver o crescimento desigual do país e pede que se encontrem meios de "compartilhar a prosperidade de maneira justa" e, dessa forma, reduzir as diferenças cada vez maiores entre "ricos e pobres, cidades e campo".
O economista Nouriel Roubini previu que a economia da China deverá desacelerar-se entre 2013 e 2015, momento em que seus investimentos em ativos fixos, de quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) exigirão retornos monetários e sociais. Até agora, diz Roubini, o crescimento baseado nas exportações dependeu de "produzir coisas que o resto do mundo quer, a um preço que nenhum outro país pode igualar", como consequência da mão de obra barata e das economias de escala. Essa vantagem de custo vem diminuindo rapidamente.
A Índia também enfrenta várias dificuldades, mas de natureza diferente. Por exemplo, os investimentos no exterior por empresas indianas apresentam forte alta. Alguns acreditam que isso é um desenvolvimento natural de uma potência em ascensão, mas alguns críticos veem o investimento no exterior como reflexo da falta de oportunidades em casa.
Taxas de juros em alta, inflação elevada e graves impasses políticos, em meio a uma série de escândalos de corrupção no governo, vêm obstruindo os investimentos domésticos e externos na Índia e, portanto, desacelerando o crescimento da economia para um patamar abaixo de seu potencial. Os problemas econômicos são agravados pelo ambiente regulador imprevisível, infraestrutura inadequada e um setor agrícola vagaroso e dependente das monções.
Claramente, a turbulência econômica agita duas das maiores economias da Ásia, os gigantes do grupo conhecido como Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Vejamos a inflação. Em 6 de julho, o Banco do Povo da China elevou sua taxa referencial de juros pela primeira vez desde outubro de 2010. Isso gerou apreensão quanto ao mercado de imóveis e medo de que governos locais possam ficar inadimplentes em parte de suas dívidas, que chegam a US$ 1,65 trilhão.
Na Índia, o fracasso do governo em conter a alta dos preços, promover reformas econômicas estruturais vigorosas, atrair investimentos externos diretos, levar adiante projetos de infraestrutura, administrar os gastos e evitar a falta de crédito sinalizam os grandes desafios pela frente. Além disso, a continuidade no impasse entre governo e oposição enfraqueceu a efetividade política, corroendo as perspectivas de crescimento da Índia.
De fato, o principal desafio da Índia continua sendo político. Com os preços dos alimentos em forte alta, os pobres são os mais atingidos, o que provoca pobreza, desigualdade e ressentimento ainda maiores. O mesmo vale, contudo, para a China: protestos contra a inflação abalam os dois países, decorrentes principalmente da alta dos alimentos, fontes de energia e matérias-primas. A comida representa cerca de 30% dos gastos das famílias na China e em torno a 45% na Índia.
O medo agora nos dois países é de que choques inflacionários possam tornar-se espirais ascendentes que se autoalimentem. Como alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI), "o núcleo da inflação - excluindo commodities - subiu de 2% para 3,75%, sugerindo que a inflação está se ampliando".
Um motivo para a alta dos preços indianos é que a expansão da infraestrutura continua lenta. O progresso em estradas, ferrovias e projetos de energia - que poderiam evitar a deterioração de alimentos e outras commodities é essencial para estabilizar os preços.
A China, por sua vez, se encontra em uma conjuntura crítica. O governo mudará em 2012 - em um momento de aumento na desigualdade de renda e de falta de consenso no Partido sobre como interrompê-lo. Tendo em vista que menos de 9% dos membros do Partido Comunista são realmente "trabalhadores" hoje em dia, os líderes do regime devem estar ainda mais incomodados com a crescente iniquidade. Sem reformas políticas sérias, no entanto, a desigualdade de renda aumentará, com o "capitalismo de compadres" fincando raízes mais profundas.
Tanto Índia como China precisam de um novo compromisso de reformas estruturais para sustentar seu crescimento econômico. A mão de obra barata e gestão monetária não serão suficientes. A credibilidade que os dois governos ganharam após evitarem o pior da crise financeira de 2008 começa a desgastar-se. À medida que crescem os receios inflacionários nos gigantes do Bric, as dúvidas quanto à mudança do centro de gravidade da economia mundial começam a ganhar força.
O que os dois países precisam são de correções de curto prazo e mudanças estruturais de longo prazo. A China precisa preparar-se para uma economia cujo desempenho não dependerá das exportações e dos baixos salários domésticos. A Índia precisa encontrar outros motores de modernização econômica além de novas tecnologias da informação (mesmo que estas sejam bem-vindas). Os trabalhadores nos dois países agora querem padrão de vida melhor - exigência que nem o sistema político de controle rigoroso da China pode ignorar.
A Índia, por sua vez, precisa abrir sua economia ainda mais, para aproveitar o crescimento da população, que continua alto, e as mudanças em andamento na estrutura da economia mundial. Precisa assumir o compromisso de alimentar sua população - e, portanto, alcançar seu objetivo declarado de uma "Segunda Revolução Verde" na agricultura.
A China e Índia valeram-se de modelos políticos muito diferentes para alcançar suas ambiciosas metas de expansão do PIB. Ainda assim, com o amadurecimento de suas economias, ambas precisam adotar mudanças estruturais - e lidar com os desafios de reformas políticas que já deveriam ter sido feitas.