Título: O relatório da CPMI e seus efeitos eleitorais
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Opinião, p. A16

O Partido dos Trabalhadores sai do relatório da CPMI dos Correios com sua reputação gravemente ferida, enquanto que o presidente Lula saiu ileso do maior escândalo de seu governo. Seus assessores mais antigos, íntimos e importantes sucumbiram ao peso das denúncias. Os deputados envolvidos, investigados superficialmente, estão em sua maioria sendo inocentados por seus pares, em um festival que legaliza a prática antes generalizada, mas clandestina, do caixa 2. Provavelmente parca em punições, a CPMI propiciou desmoralização geral dos partidos da base governista e alguns da oposição. As conclusões da CPMI, após 245 dias de trabalho, ficaram na metade do caminho. O resultado mais importante - a existência de um esquema de canalização de recursos à margem da lei para parlamentares da base governista - resistiu à forte oposição do PT, que por pouco não derruba todo o relatório. A atuação defensiva dos parlamentares do PT é um capítulo lamentável na história da legenda. Acostumados ao papel de acusadores levianos, muitos petistas estavam claramente despreparados para o papel de réus. Montaram um relatório paralelo da mais pura desfaçatez. A argumentação de que o PT foi "seduzido" pelo empresário Marcos Valério é de um ridículo atroz, cuja aceitação desmoralizaria as CPIs para sempre. Mas não era brincadeira e o PT talvez tenha produzido a primeira declaração pública de um partido, por escrito e com todas as letras, de que usou recursos do caixa 2. Que esta tenha sido sua última linha de defesa mostra o quão baixo caíram antigos defensores da moralidade. Essa, entretanto, não é obviamente a percepção da Câmara dos Deputados. Um a um, os mensaleiros estão sendo absolvidos, até mesmo o ex-presidente da instituição, João Paulo Cunha, que tinha claras relações com Marcos Valério e que, antes da comprovação, usou da mentira para fugir a suas responsabilidades. Oito parlamentares escaparam e o teste de João Paulo talvez tenha sido definitivo - dificilmente os quatro na fila do julgamento serão cassados. A radicalização de posições na CPMI e a concomitante falta de energia investigativa produziram um relatório cujos efeitos punitivos tendem a ser pequenos. O valor das conclusões da CPMI, que não foram longe, será aferido na dura batalha eleitoral que se avizinha. O PT poderá ser mais facilmente encurralado porque, como partido do presidente, foi objeto de uma investigação do Congresso na qual resultou uma condenação formal. Ainda que os tucanos tenham saído chamuscados, com o pedido de indiciamento senador Eduardo Azeredo, é a primeira vez que o PT é abertamente acusado e não consegue se explicar sobre atos de corrupção envolvendo vários de seus líderes. O enorme barulho e a pouca luz causados pela CPMI terão, ao que tudo indica, pouca influência sobre a força eleitoral do presidente Lula. Além de não ter sido acusado pela CPMI, outro fato de peso evidente na campanha para a reeleição, o presidente é visto mais por sua aura própria do que pela coletiva, associada ao PT. A tese da "conspiração das elites" pode ter servido para desacreditar o partido, mas é uma das imagens corriqueiras que povoam a mente de grande parcela dos eleitores fiéis a Lula. O principal dano do relatório da CPMI será sentido a médio prazo e recai sobre o presidente, caso seja reeleito. O PT teve 17% dos votos nas eleições de 2002, tornou-se a maior bancada do Congresso e, ainda assim, teve de se apoiar em siglas clientelistas para fazer aprovar os projetos do governo. A bancada do partido poderá sofrer um significativo encolhimento após outubro. Será péssimo para um presidente em início de segundo mandato ser obrigado a cortejar mais apoio em outras forças porque sua legenda foi maltratada nas urnas. O preço das alianças sem princípios, que o PT condenava, foi alto e essa é uma das lições mais contundentes da CPMI. Tudo indica que, com o PT enfraquecido, Lula possa ter de se apoiar mais no PMDB, a maior federação de interesses do Congresso e, de novo, nas legendas mensaleiras. Dessa forma, ainda que saia forte das urnas, seu cacife político será mais frágil que o do primeiro mandato - e a coalizão para governar será mais ampla e invertebrada. A qualidade do governo tende a piorar, com prejuízo de sua eficácia e de sua capacidade de agir. Esse é um dos maiores riscos advindos dos trabalhos da CPMI.