Título: Por que cobrar a RTE dos consumidores livres?
Autor: Luiz Carlos Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Opinião, p. A16

O racionamento de energia elétrica, que vigorou entre 1º de junho de 2001 e 28 de fevereiro de 2002, ainda permeia o imaginário de alguns agentes do setor elétrico. Falhas na interpretação quanto à repartição dos custos ainda suscitam questionamentos e podem acarretar ônus adicional para os consumidores cativos, ou seja, aqueles consumidores integrantes das classes residencial, comercial, rural e industrial de pequeno e médio portes. No próximo dia 10, a Agência Nacional de Energia Elétrica discutirá em audiência pública uma resolução que visa regulamentar a cobrança da Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE) dos consumidores que integravam o mercado cativo durante a vigência do racionamento de energia elétrica e tornaram-se livres ao longo dos últimos quatro anos. Com a publicação desta resolução, a Aneel busca corrigir uma grave distorção que persiste desde dezembro de 2001: o não pagamento da RTE pelos consumidores livres. E por que os consumidores livres deveriam pagar RTE? Vamos aos fatos: o mercado livre pressupõe uma competição em igualdade de condições para todos os agentes. Ao isentar o consumidor livre da RTE, há uma redução automática de 7,9% na tarifa desses consumidores, sem que isto tenha resultado de uma eficiência adicional dos agentes. Esta redução não é conseqüência de um menor custo de compra de energia ou de uma modulação mais eficiente do consumo do cliente. Há simplesmente uma injusta isenção do pagamento de um encargo. E quem paga por esta isenção? O consumidor cativo, infelizmente. De um lado ganham cerca de 470 grandes empresas e, de outro, perdem mais da metade da população brasileira. Onde está a competição? Onde está a eficiência? Onde está o moderno? A reação de alguns agentes do setor, que estão se sentindo prejudicados pela medida, tem sido intensa. Vários artigos foram publicados na mídia tentando inverter a lógica da proposta da Aneel, procurando, desta forma, levar a discussão para a esfera exclusiva do interesse dos distribuidores, quando seu foco está essencialmente ligado à justiça no tratamento do mercado, cativo ou livre. Inicialmente, é preciso reconhecer e apoiar a iniciativa da Aneel pelo mérito de corrigir uma reconhecida injustiça que vem prejudicando a implantação de um ambiente propício à competição no setor elétrico brasileiro. Aos consumidores deveria ser dado o sinal correto de preço para que possam escolher livremente seu fornecedor de energia, o que não vem acontecendo, na medida em que o consumidor cativo está pagando sozinho o encargo da RTE.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso reparar essa injustiça, pois a população vem arcando com a conta deixada pelos grandes consumidores industriais --------------------------------------------------------------------------------

Como se sabe, a RTE foi criada pela Lei 10.438/02 para recompor o equilíbrio econômico financeiro das concessões de geração e de distribuição, frente aos evidentes prejuízos causados pelo racionamento decretado pelo governo federal. Na exposição de motivos da lei, ficou claro que a "tarifa especial" (RTE) representava um encargo a ser arcado por todos os consumidores, sem distinção. A despeito dessa lógica, até o momento, os consumidores livres ficaram desobrigados de efeturar esse pagamento. Caso não se corrija rapidamente essa situação, estará sendo perpetuada uma injustiça, dado que a uma classe privilegiada de consumidores, os maiores e mais poderosos, é permitido que abandonem o "regime condominial" do qual participavam e migrem para um novo regime, deixando que seus encargos sejam arcados pelos consumidores cativos remanescentes nesse condomínio. É bom lembrar que a própria lei, atenta à diferença de porte de consumidores, cuidou de proteger os menores, fixando, no §5º do art. 15 da Lei 9.074/95, que a opção do consumidor em se tornar livre não pode implicar aumento de custos para os consumidores remanescentes (cativos). Da mesma forma, o art. 28 da Lei 10.848/04 estabeleceu a necessidade de um tratamento isonômico quanto ao pagamento dos encargos setoriais entre os consumidores livres e cativos. É difícil imaginar agora que esses mesmos legisladores, ao criar a RTE, tenham tido a intenção de isentar do seu pagamento os grandes consumidores, em prejuízo da imensa maioria de pequenos consumidores. A atribuição da responsabilidade pelo pagamento da RTE aos que à época eram cativos pressupõe, naturalmente, que a obrigação daquele momento seria honrada até seu cumprimento integral, não se imaginando que a saída para a condição de consumidor livre pudesse se constituir num portal para romper suas obrigações. Estas são as razões pelas quais a Associação dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) defende como legítima a participação do consumidor livre, em iguais condições aos cativos, na cobertura dos custos decorrentes do racionamento. Sem dúvida, a reparação dessa injustiça constituirá um marco, pois reduzirá mais rapidamente a conta de luz da maioria da população brasileira, que vem arcando com a conta deixada pelos grandes consumidores industriais.

Luiz Carlos Guimarães é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).