Título: Desenvolvimento com estabilidade, finalmente possível!
Autor: Luciano Coutinho
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Opinião, p. A17

Em fins do ano passado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIS) reuniu bancos centrais para entender a "grande moderação" da inflação desde o início dos anos 90 até o presente. As taxas de inflação não só foram mais baixas, mas também menos voláteis, com redução significativa da variância. A "curva de Phillips" (curva descendente entre taxa de inflação e taxa de desemprego) tornou-se mais baixa e mais plana em todos os países, facilitando a vida das autoridades monetárias. Um balanço geral indica três ordens de causas explicativas: 1) fatores microeconômicos virtuosos derivados da própria redução da inflação; 2) ajuda de novas tendências estruturais; 3) aumento da credibilidade das políticas monetárias. Esse conjunto tornou as expectativas de inflação mais estáveis, mais sólidas e, por isso, mais benignas. Vejamos. Ultrapassada a ebulição inflacionária dos 70 (à custa do violento choque monetário global produzido pelo Fed - o Banco Central americano - entre 1979-1983), a queda da inflação corrente foi enfraquecendo ao longo dos anos 90 os fatores intrínsecos de realimentação. A freqüência e a intensidade dos reajustes de preços e salários caiu em todas as economias; assim como a sensibilidade destes reajustes ("mark ups") às flutuações cíclicas da demanda. Esse processo foi decisivamente auxiliado por novas tendências favoráveis: a) as tecnologias da informação e comunicação (TIC) reduziram custos e aumentaram a velocidade/disponibilidade de processamento de dados, viabilizando expressivos ganhos de produtividade nas cadeias de indústria-serviços (destaque-se o papel do varejo como redutor do "pass- thru" dos preços do atacado até o consumidor); b) queda dos preços relativos das telecomunicações e queda dos preços do petróleo durante boa parte dos 90; c) flexibilização legal ou informal dos mercados de trabalho via "downsizing" e terceirizações, mitigando as pressões salariais; d) avanço dos processos de abertura comercial e, especialmente, o efeito direto das importações de baixo custo (vestuário, calçados, eletroeletrônicos) sobre os índices de preço ao consumidor.

-------------------------------------------------------------------------------- É imprescindível reduzir perenemente a expansão dos gastos correntes do setor público e abrir espaço para retomar a reforma tributária --------------------------------------------------------------------------------

Esse contexto benigno facilitou a disseminação e consolidação dos regimes de metas de inflação. A maior crença na "previsibilidade" da inflação a longo prazo - por conta da própria credibilidade dos bancos centrais - tornou mais fácil a absorção de "desvios" de curto prazo em relação às metas. Afetadas por choques de oferta, as expectativas convergem com mais facilidade. Tudo isso permitiu aos bancos centrais aperfeiçoar a gestão, melhorar a informação (inclusive sobre os gaps de produto) e a ganhar mais raio de manobra para operar anticiclicamente. Taxas de juros reais muito baixas no período 2000-2004 excitaram a inflação dos preços dos ativos e dos imóveis e, desde 2003, a forte subida de preços da maioria das commodities - principalmente petróleo, petroquímicos e metais - e, ainda, os riscos de depreciação aguda do dólar colocam dúvidas sobre a durabilidade da "grande moderação" no futuro. Até o presente, porém, a força das convenções estabelecidas parece resistir. A experiência antiinflacionária brasileira, diferentemente, foi e continua sendo muito onerosa em matéria de juros reais. O Plano Real implantou uma âncora cambial com juros reais altíssimos (mais de 20% ao ano) e logo produziu um enorme déficit em conta corrente que o tornou vulnerável ao risco de maxidepreciações da taxa de câmbio. Depois de sua inserção em 1999 e de um bom começo no ano 2000, o nosso regime de metas foi conturbado por sucessivos choques (o de energia em 2001 e o de aversão ao risco global-eleitoral em 2002), obrigando o Banco Central a subir a taxa de juros e a dolarizar/"selicar" a dívida pública. Após um breve refresco, o choque de preços das commodities iniciado no último trimestre de 2003 obrigou a uma nova subida da taxa de juros iniciada em setembro de 2004 e só recentemente aliviada. É relevante destacar que se, de um lado, esse choque de preços externos produziu efeitos inflacionários onerosos, de outro lado, propiciou uma impressionante reviravolta nas contas externas brasileiras. Em três anos a economia passou de um estado de alta vulnerabilidade cambial para outro de relativa robustez que, em tese, permite que se reduza a volatilidade da taxa de câmbio (via "dirty float"). Vale sublinhar, diminuiu significativamente o risco de que maxidepreciações provoquem choques inflacionários nos próximos anos (salvo na hipótese insensata de que a sobreapreciação cambial prolongada volte a vulnerabilizar o balanço de pagamentos). Os preços administrados, por sua vez, tenderão doravante a evoluir mais moderadamente. A Petrobras, com a auto-suficiência e sem prejuízo de sua rentabilidade, também pode suavizar os choques externos. A continuidade da abertura econômica (aumento da corrente de comércio/PIB) e os efeitos benignos das TIC (ganhos de produtividade) persistirão nos próximos anos. Em síntese, há um excepcional conjunto de fatores favoráveis à estabilização da inflação no longo prazo. Onde, afinal, residem os riscos inflacionários que o Banco Central tanto teme? Basicamente em duas possibilidades perfeitamente evitáveis: 1) choques de oferta provocados por subinvestimento (em energia e agricultura notadamente); e 2) descontrole fiscal. Está posta, portanto, a chance histórica de desenvolvimento com estabilidade. Mas para isso é preciso sintonia entre as políticas fiscal, monetária e cambial. De saída é imprescindível reduzir perenemente a expansão dos gastos correntes do setor público e abrir espaço para retomar a reforma tributária. Ao Banco Central cumpre aperfeiçoar logo o regime de metas e preparar a "desselicização" progressiva da dívida mobiliária para poder atuar anticiclicamente quando necessário. Simultaneamente é indispensável acelerar os investimentos infra-estruturais, cuidar da agricultura e promover a competitividade industrial.