Título: Um fosso intransponível
Autor: Quentin Peel
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Opinião, p. A17

Políticos convertidos em homem de negócios, ou empresários transformados em políticos: é difícil ponderar qual produz o resultado menos proveitoso. O que de fato parece verdadeiro é que poucos fazem a transição de seus respectivos mundos com algum grande sucesso ou distinção - e muitos produzem malogros espetaculares. Dois ricos empresários exemplificam a percepção: Thaksin Shinawatra, que até o início deste mês era primeiro-ministro da Tailândia, e Silvio Berlusconi, em campanha para manter o cargo de premier na Itália. Poderoso ex-chefe de governo, Gerhard Schröder, o chanceler alemão anterior, está sendo obrigado a defender sua decisão de entrar no mundo dos negócios contra ataques políticos tanto de antigos inimigos como de aliados. O que os três parecem ter em comum é uma incapacidade de ver os conflitos de interesse inerentes à tentativa de fazer a transição do mundo dos negócios para o território da política, ou vice-versa. Se admitem a existência de tais conflitos, não parecem considerá-los importantes. Assim, Schröder defendeu firmemente sua decisão de assumir a presidência de uma empresa operadora de um futuro gasoduto, controlada pela companhia russa Gazprom, embora ele tenha desempenhado um papel de apoio à realização do controvertido projeto - um duto sob o mar Báltico - quando no governo. Tanto Thaksin Shinawatra como Silvio Berlusconi poderiam argumentar que tiveram sucesso ao entrar para a política, porque ambos tornaram-se primeiros-ministros. Entretanto, não há dúvida de que deveram seus cargos, em igual medida, tanto ao dinheiro que gastaram para chegar lá, quanto a quaisquer qualidades pessoais. Ambos populistas, revelaram-se também líderes divisionistas, e sua disposição para usar dinheiro para pavimentar o caminho até o poder é uma nódoa em suas credenciais democráticas. Nenhum deles é um empresário tradicional, do tipo que constrói uma operação de padrão mundial a partir de um começo modesto. Ambos exploraram bons contatos no governo para construir suas empresas.

-------------------------------------------------------------------------------- De modo geral, políticos invejam a riqueza de seus empresários e os empresários invejam o poder dos políticos, mas poucos têm êxito nas duas profissões --------------------------------------------------------------------------------

Ao chegar ao poder, os dois exibiram insensibilidade frente às necessidades de construção de alianças na política. A qualidade de Thaksin Shinawatra foi a determinação de aplicar as políticas que prometera. Mas ele evidenciou um forte traço autoritário remanescente de um executivo-chefe antiquado. Seu desempenho desapontador na eleição acabou sendo suficiente para levá-lo a renunciar ao cargo. Quanto a Silvio Berlusconi, seu estilo extravagante e personalidade egocêntrica foram a personificação de seu governo e são tópicos primordiais em jogo na eleição do próximo domingo na Itália. Sua gritante exploração da mídia radiofônica e televisiva por ele controlada enfureceu seus adversários e preocupa seus parceiros. Schröder pertence à escola mais comum de políticos que se converteram em homens de negócio, pessoas que tornaram-se presidentes ou diretores "medalhões" em empresas estatais, mais por seus nomes e habilidade para explorar contatos do que por alguma capacidade comprovada de tomar decisões empresariais sensatas. Embora, à primeira vista, os EUA possam parecer um ambiente político mais propício ao fluxo bidirecional entre os mundos empresarial e político, o registro histórico também tem exemplos animadores e desanimadores. Por exemplo, Paul O'Neill, ex-secretário do Tesouro dos EUA, foi um executivo-chefe bem-sucedido antes de fazer parte do governo Bush. No entanto, ele revelou-se lamentavelmente desprovido de habilidades quando chegou a Washington. É tradição nos EUA que governos tragam para a administração nomes do mundo empresarial, porém muitos são simplesmente políticos "no banco de reservas" entre um governo e outro, e não verdadeiros empresários. Em todo o mundo, os políticos parecem invejar a riqueza de seus empresários e os empresários invejam o poder dos políticos. Mas poucos parecem capazes de êxito nas duas profissões.