Título: A tempestade econômica perfeita
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Especial, p. A18

Parafraseando o título do livro e do filme "The Perfect Storm" ("Mar em Fúria", no Brasil), a Itália enfrenta uma espécie de tempestade econômica perfeita, que faz do país hoje a economia mais problemática da Europa. Na ficção, um barco pesqueiro enfrenta a conjunção de várias tempestades, que formam a tal tempestade perfeita. Na Itália, chocam-se fenômenos difíceis de serem enfrentados simultaneamente, como uma crise de competitividade, um Estado caro, deficitário e pouco eficiente, empresas que sofrem para competir globalmente e uma tendência demográfica desfavorável. "As condições na Itália são particularmente preocupantes", diz o FMI. O crescimento italiano é anêmico (veja quadro abaixo). Em 2005, o país estagnou. Este ano, cresce no máximo 1,3%. O déficit fiscal superou o limite (3% do PIB) da zona do euro por três anos seguidos. A dívida pública voltasse a subir, batendo em 106% do PIB. A balança comercial teve uma inflexão, e o país passou do superávit para o déficit. O desemprego caiu, mas mais devido à redução da força de trabalho que pela criação de empregos. Esses são os principais números do legado econômico de Berlusconi. Ainda assim, o premiê insiste em que não há crise. A Itália foi provavelmente o país mais prejudicado pela introdução do euro. Ao perder o controle sobre a política monetária, o país perdeu o poder de desvalorizar a moeda, uma das armas mais usadas até 1993 para recuperar competitividade. Além disso, a Itália sofre com a taxa de juros do Banco Central Europeu, definida a partir da situação média na zona do euro. O país, economia doente da região, precisaria de juros menores. País de mistérios, a inflação virou um deles. Apesar de o número oficial, em torno de 2%, estar na média européia, órgãos de consumidores denunciam há anos que ele não reflete a alta de preços percebida pelas pessoas, e falam em índices de 5% a 7%. Este jornalista, que acompanha a Itália há muito tempo, condivide essa percepção. Isso ajudou a deprimir o consumo. Na UE, Itália e Alemanha tiveram as maiores quedas na demanda interna nos últimos anos. Outro efeito da integração européia e da globalização foi a exposição a competição maior de empresas que estavam acostumadas a atuar num ambiente protegido. Não à toa, grandes grupos italianos, como Fiat, Parmalat, Cirio, atravessam situação difícil. Proteção não significava apenas reserva de mercado, mas também operar em ambiente regulatório favorável e com fiscalização deficiente (como mostrou o caso da Parmalat). Além disso, nos anos 90 o terremoto político da Operação Mãos Limpas rompeu um círculo de troca de favores entre empresas, bancos, partidos e Estado, que garantia às empresas ajuda e empréstimos a juros favoráveis. O sistema bancário, fragmentado, caro e pouco eficiente, ficou protegido até que, no ano passado, a Banca D'Italia (o BC italiano) operou para evitar que duas instituições fossem compradas por estrangeiros. A ingerência foi descoberta e culminou na renúncia do presidente do BC. Mas nenhum banco estrangeiro tem operação importante de varejo na Itália. Segundo o último relatório do FMI sobre a economia italiana, "apesar de a competição [no sistema bancário] ter aumentado nos últimos anos, os bancos ainda opera, num ambiente de custo elevado (...), o que sugere que a consolidação ainda está por produzir ganhos de eficiência significativos". O custo médio dos serviços bancários na Itália, diz o Fundo, é quase o dobro do do Reino Unido. O FMI diz que o setor externo deveria ser uma válvula de escape para a eliminação de divergências nos ciclos econômicos dos países da zona do euro. A desaceleração da economia reduziria salários e preços, em relação a outros países, o que daria uma vantagem competitiva. Isso ocorre Alemanha, onde a demanda externa compensa em parte a queda na demanda interna, e vem fazendo com que as empresas voltem a investir. O país está batendo recordes de exportação. Na Itália, essa válvula não está funcionando. O custo do trabalho subiu mais do que nos demais países europeus e a inflação manteve-se na média. As exportações cresceram pouco, e o país passou a deficitário no comércio exterior, perdendo fatia de mercado tanto na Europa como no resto do mundo. A deterioração na balança afetou quase todos os setores, menos máquinas e equipamentos, devido à queda na importação, o que sugere que as empresas estão investindo menos e se tornando ainda menos competitivas. Essa perda de competitividade tem outras causas. Analistas apontam a dependência da economia italiana de pequenas e médias empresas, em geral familiares, que têm mais dificuldade de competir globalmente e de se financiar. Itália e Alemanha são ainda os dois países do G-7 nos quais é maior a fatia da indústria na economia. Essa indústria vem enfrentando um concorrência global cada vez maior. Setores importantes na Itália, como têxtil e calçadista, foram desarticulados pela concorrência chinesa. O mercado de trabalho rígido e altamente sindicalizado é apontado como outro fator de perda de competitividade. Empresas italianas deixam de elevar a produção para não ter de contratar funcionários, que não poderão ser demitidos caso a produção volte a cair. A carga fiscal italiana é outro problema. Segundo a OCDE (centro de pesquisa que reúne países ricos), ela não supera a média européia (ficou em 40,5% em 2005), mas, devido à elevada informalidade na economia, sobrecarrega quem paga impostos. A complexidade do sistema tributário eleva custos e favorece a informalidade. O resumo de todos esses problemas, segundo o FMI, é um ambiente desfavorável aos negócios, o que fica evidente na dificuldade da Itália de atrair investimento externo - o país não tem, por exemplo, nenhuma montadora não nacional, ao contrário de todas as outras grandes economias européias. Prodi e Berlusconi têm uma solução? Talvez sim, mas não a apresentaram completamente ao eleitorado e talvez não tenham apoio político para implementá-la. Ambos propõem cortes de impostos. Berlusconi para pessoas físicas, como forma de estimular o consumo. Prodi para as empresas, para estimular investimentos e a contratação de pessoal. Mas não dizem como pretendem financiar essa queda de receita (além de outras promessas de campanha) ao mesmo tempo em que terão de cortar o déficit público. Citam vagamente economias com ganhos de eficiência no Estado, o que raramente se realiza, ao menos na proporção suficiente. "Os políticos estão prometendo que os impostos vão cair, o que não vai ajudar na posição fiscal", disse Michael Vaknin, economista da Goldman Sachs, que recomendou a venda de títulos italianos. "A Itália está ficando para trás." (HS)