Título: Berlusconi abusou de vocação para o espetáculo
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Especial, p. A18

Romano Prodi pode até sair vencedor, mas o personagem desta eleição na Itália é o polêmico premiê Silvio Berlusconi. Dono da maior fortuna da Itália, avaliada pela revista "Forbes" em US$ 11 bilhões, o empresário conseguiu atrair a ira, na campanha eleitoral, da principal entidade empresarial, de quase toda a mídia européia e até da China. Como se ainda vivesse na Guerra Fria, o premiê tem o hábito de tachar a oposição de comunista. Referindo-se a dois partidos ainda intitulados comunistas, Berlusconi disse que eles ainda eram como os comunistas do passado, que "na China ferviam crianças para produzir fertilizantes". O governo chinês fez um protesto oficial. Na terça, Berlusconi usou um termo chulo, "coglioni" (que significa cretino, mas também testículo) para se referir aos eleitores da oposição. No dia seguinte, milhares foram às ruas com cartazes onde se lia: "sou um 'coglione'". Dono do maior conglomerado de mídia da Itália, que inclui três das seis emissoras de TV nacionais, jornais, revistas e a maior agência de publicidade, Berlusconi costuma se dizer perseguido pela mídia. Suas TVs persistentemente dão mais espaço a Berlusconi, além de uma cobertura descaradamente positiva. Mas o premiê talvez possa se considerar perseguido pela mídia, pelo menos no exterior. Ontem, o jornal britânico "Financial Times" publicou editorial intitulado "Berlusconi, a Ópera", no qual caracteriza a premiê como tendo "o dom extraordinário de extrair publicidade própria de qualquer coisa que caia nas suas mãos". Já a revista "The Economist" também traz esta semana um editorial contra o premiê, "Basta Berlusconi", no qual afirma que Berlusconi não merece um segundo mandato. "Cinco anos atrás, esta revista declarou que Silvio Berlusconi era inadequado para liderar a Itália", diz o texto. E a revista conclui que tinha razão. O principal motivo da crítica em 2001 era o fato de Berlusconi ter um poder desproporcional numa democracia moderna, por ser o maior empresário de mídia e a pessoa mais rica da Itália, e por ter um passado suspeito, recheado de processos judiciais que ainda estão em andamento. Isso constituiria um conflito de interesses com o cargo de premiê, e essa situação ainda persiste.