Título: Na Itália, cada candidato vai à eleição com 17 partidos
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Especial, p. A18

"Tanta desunião e tanta fraqueza". Com esse comentário, Maquiavel resumiu a fragmentação política da Itália de seu tempo, o início do Século XVI, situação que levaria à ocupação estrangeira por mais de quatro séculos. Ao irem às urnas neste domingo, os italianos certamente não se surpreenderiam com a atualidade da observação de Maquiavel. E sabem que o cenário político dividido deve resultar num governo fraco, que terá dificuldade em aprovar as reformas de que o país precisa, mas sobre as quais não há consenso. À primeira vista, a situação parece clara. Disputam o governo apenas dois candidatos: o atual premiê Silvio Berlusconi, 69, (centro-direita), e o oposicionista Romano Prodi, 66, (centro-esquerda), que já foi premiê, além de presidente da Comissão Européia (principal cargo da União Européia). Vota-se no domingo e na segunda. Serão eleitos 630 deputados e 315 senadores. Como a Itália é parlamentarista, quem tiver maioria no Parlamento formará o governo. As últimas pesquisa de intenção de voto davam pequena vantagem a Prodi, de 3,5 a 5 pontos percentuais. A divulgação de pesquisas está proibida já há duas semanas. Além disso, o histórico político recente é bom para os padrões italianos. Berlusconi chefiou nos últimos cinco anos o governo mais estável da Itália no pós-guerra, tornando-se apenas o segundo líder do país a governar pelos cinco anos de duração da legislatura. Mas a situação mudou, e em boa parte por culpa do próprio Berlusconi. Prevendo um derrota nesta eleição, já que todas as pesquisas o colocam há muito tempo atrás de Prodi, o premiê promoveu uma alteração na lei eleitoral que deve dificultar em muito a vida do próximo governo. O sistema eleitoral passou de distrital misto a proporcional puro. Pelo sistema anterior, com o qual Berlusconi venceu as eleições de 2001, 75% dos parlamentares eram escolhidos diretamente pelos eleitores de cada circunscrição. Os outros 25% eram eleitos com base nos votos obtidos por cada partido. Isso beneficiava os partidos maiores, reduzia o número de partidos representados no Parlamento e garantia a formação de maioria mais estável. A prova disso é Berlusconi. Ele pôde governar com o apoio de só três partidos: a sua Força Itália, a Aliança Nacional e a Liga Norte. Outros aderiram com o tempo. Agora, os parlamentares serão escolhidos apenas pela votação cada partido, que receberá número de cadeiras proporcional. A principal limitação ficou sendo a cláusula de barreira de 2%. Isso pulverizou o quadro político. A coalizão que apóia Berlusconi, chamada de Casa das Liberdades, é composta por 17 partidos. A coalizão de Prodi, chamada de União, também tem 17 partidos. Outros 20 e tantos, em sua maioria agremiações regionais ou ligadas a grupos específicos, ficaram de fora dessas duas grandes coalizões. Algumas curiosidades: Prodi tem o apoio de não um, mas dois partidos comunistas. Há partidos de nome e supostamente de orientação política similar dos dois lados: tanto Prodi como Berlusconi têm apoio de gente que se diz democrata-cristã, socialista e verde. Em sua maior parte, esses são pequenos partidos ligados a alguma personalidade, como o ex-promotor Antonio Di Pietro, que ficou famoso com a Operação Mãos Limpas, grande investigação anticorrupção do início dos anos 90. Obviamente, nem todos esses partidos elegerão deputados e senadores. Mas muitos o farão. Nenhum partido deve superar 25% dos votos (ou seja, de parlamentares). O próprio partido de Prodi, que se chama A Oliveira, deverá ficar em terceiro lugar sua coalizão, cuja principal força ainda são os Democráticos de Esquerda (herdeiro do antigo Partido Comunista Italiano). Berlusconi ironiza dizendo que Prodi não terá mais de cinco deputados sob seu comando direto, e será fantoche de outros partidos. A eleição deve resultar num governo bastante dividido, fraco ou quase paralisado devido a divergências internas nas coalizões. Dificilmente um governo assim conseguirá aprovar as reformas necessárias para estancar a decadência econômica dos últimos anos (leia texto nesta página). As duas coalizões prometem cortes de impostos e reconhecem que terão de reduzir o déficit público, que há três anos supera o limite de 3% do PIB estipulado pela União Européia. Essa é uma equação difícil, que nem o relativamente compacto governo de Berlusconi conseguiu resolver nos últimos cinco anos. Para quem não é italiano nem precisa acompanhar a política local, tudo isso pode parecer obscuro ou pitoresco. Mas significa também que a Europa dificilmente poderá contar, nos próximos anos, com a ajuda de sua quarta maior economia para acelerar o crescimento da região. Implica também, provavelmente, uma voz mais forte a favor do protecionismo comercial. A Itália esteve à frente das últimas iniciativas comerciais contra a China.