Título: Consumidor livre critica pagamento retroativo do apagão
Autor: Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Empresas &, p. B10

Uma conta que pode superar R$ 900 milhões e afeta quase 800 companhias está levando as indústrias a rever suas estratégias no país. O problema gira em torno de um esqueleto do apagão de energia, ocorrido há cinco anos, cuja conta pode ser cobrada de forma retroativa. Executivos de empresas eletrointensivas falam em problemas de caixa, na revisão dos investimentos programados, no cancelamento das exportações de alguns produtos e até recorrer à Justiça. O foco da discussão é a Recomposição Tarifária Extraordinária ( RTE ), conhecida informalmente como a "conta do apagão ", criada pelo governo para recuperar as perdas que as empresas de energia tiveram na época do racionamento. Atualmente, isentos da taxa por terem saído do mercado regulado, os consumidores livres de energia poderão vir a arcar com a cobrança do encargo, inclusive em caráter retroativo, caso a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) baixe resolução obrigando o pagamento. Uma audiência pública agendada para a próxima segunda-feira, em Brasília, deverá definir o assunto. A mineradora Samarco, controlada por Companhia Vale do Rio Doce e BHP Billiton, prevê um impacto de R$ 20 milhões somente para pagar as contas atrasadas da RTE, caso venham a ser cobradas, segundo o gestor de Energia da empresa, Nélio Borges. A Samarco possui duas unidades industriais. Uma em Mariana (MG), onde é extraído e beneficiado o minério de ferro, e outra em Anchieta (ES), onde o minério é transformado em pelotas e embarcadas ao mercado externo. Borges explica que unidade capixaba se tornou consumidora livre em 2003, saindo do fornecimento da concessionária do Estado, a Escelsa. A planta industrial mineira deixou a Cemig no ano passado. "É uma situação muito complicada. Só no Brasil é que o passado é incerto", diz. Na Eucatex, que tem na energia 33% dos custos de produção de painéis de madeira reconstruída, o impacto será desastroso, diz Marcos Nicolino, diretor de Suprimentos da empresa. A Eucatex se recupera de um processo de concordata e, segundo Nicolino, equilíbrio entre o azul e o vermelho na companhia é delicado. "Nós procuramos diferenciais competitivos, e partir para o mercado livre de energia era um desses diferenciais", diz Nicolino. Se a Aneel decidir pelo reajuste retroativo, a Eucatex fala em até em um possível cancelamento das exportações - que hoje respondem por 40% da produção - já que o câmbio também não tem ajudado. Além disso, alguns investimentos previstos para a fábrica da empresa em Salto (SP), poderão ser suspensos. A mineradora Anglo American, que explora ouro, níquel e nióbio e fabrica fertilizantes no país, teve impacto negativo da ordem de US$ 19 milhões, em função da redução na produção, ocasionada pelo racionamento de energia elétrica, disse Walter De Simoni, principal executivo da empresa no Brasil, ao Valor via e-mail. "Se a cobrança for aprovada, o impacto será de aproximadamente US$ 8 milhões por ano", afirmou. "A Anglo é uma empresa de classe internacional, com projetos de investimento no Brasil, a serem aprovados, superiores a US$ 1 bilhão. Toda mudança de regras no meio do jogo gera insegurança do ponto de vista do investidor", disse o executivo. De Simoni acrescentou que entende que a cobrança da RTE não é justa. "O racionamento, que causou a perda de receita das concessionárias, também causou impactos negativos para o consumidor, como redução de produção, aumento de custos . Os consumidores foram os maiores colaboradores para que o país saísse da crise de energia. Não é justo que ele seja, agora, penalizado por isso. Reequilibrar a receita das concessionárias com o bolso do consumidor, não é adequado." Além disso, o executivo lembrou que toda mudança de regra no meio do jogo sempre gera insegurança do ponto de vista do investidor. A RTE foi imposta aos consumidores de energia no início de 2002, quando o governo federal lançou um pacote de financiamento para as empresas de energia com recursos de R$ 9 bilhões do BNDES. Para pagar esse empréstimo, as empresas tiveram direito à aplicação de um aumento extraordinário nas tarifas de 2,9% para os clientes residenciais e de 7,9% para os consumidores industriais, por um prazo médio de 72 meses. Os clientes considerados livres estavam isentos do pagamento extra. O problema é que, nos últimos dois anos, houve uma forte migração de grandes consumidores industriais da área cativa das concessionárias para o mercado livre de energia. Na época do racionamento, havia apenas seis consumidores livres no país, responsáveis por menos de 1% do consumo nacional. Hoje, existem quase 800 consumidores livres industriais que representam mais de 25% de todo o consumo de energia do país.