Título: Construção civil e moradia no Entorno e no DF
Autor: Castro, Rodrigo Badaró de
Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2010, Opinião, p. 29

Advogado e conselheiro Federal da OAB-DF

Espera-se que a população e empresários recebam com alegria e satisfação a notícia da publicação, em 28/7/10, da Medida Provisória nº 497, que estende o prazo dos benefícios tributários para o programa habitacional de baixa renda, Minha Casa, Minha Vida, prorrogando-os até dezembro de 2014. Nesse sentido, deve ser também comemorado o aumento de R$ 60 mil para R$ 75 mil no valor das moradias beneficiadas com subsídios do programa e a redução da alíquota tributária única vigente sobre os imóveis de 6% para 1%, ambas no intuito de estimular a construção de moradias populares e acompanhar a evolução dos preços do mercado imobiliário.

Sem qualquer conotação política ou posicionamento pessoal quanto à ideologia, promessas e programas de governo, há de se considerar como quase unânime a convicção da sociedade de que a redução de impostos e o estímulo a indústria da construção civil são os principais indutores de renda, emprego, moradia e melhor bem-estar pessoal, especialmente no DF.

Não foi por menos que há anos o presidente Tancredo Neves, em discurso no dia de sua eleição, evocou com atualidade e propriedade única que adotaria medidas que venham democratizar o acesso à propriedade, atitude que não pode ser confundida, como muitos o fazem, com a proteção aos privilégios de forcas econômicas e financeiras. Defender a livre-iniciativa e a propriedade privada é defendê-las dos monopólios e do latifúndio.

Com efeito, toda redução de tributo e estímulo à economia devem ser sempre comemorados. Particularmente para o DF e Entorno a presente medida representa um impacto muito significativo. Com alto deficit de moradia e os altos preços de mercado, a habitação talvez seja uma das suas maiores mazelas sociais, quando notamos que o Entorno se tornou um bolsão de precárias cidades residências, como Águas Lindas de Goiás e Valparaíso, dando teto à maioria da força de trabalho que atende nossa capital. A precariedade de moradia somada à falta de infraestrutura aumenta a desigualdade social e seus efeitos danosos, como a criminalidade.

Nessa linha, não obstante todo estímulo e empolgação quando do lançamento do citado programa habitacional, tem-se que, do ponto de vista prático e em virtude de particularidades do DF, não houve a efetiva construção de habitações em número suficiente para atender à alta demanda hoje existente. Isso porque há uma mistura de elementos que barram o estímulo à construção, entre eles a ausência de áreas disponíveis no DF para o citado programa, o que acaba por deixar como única opção as cidades do Entorno, provocando um aumento gradativo dos preços dos terrenos nas cidades periféricas, deixando à margem a viabilidade econômica necessária para a construção de casas populares.

Como se não bastasse, o consolidado e aquecido mercado de construção civil local, majoritariamente focado nas classes altas e médias, acaba por pressionar os preços e serviços no setor, contaminando o custo de construção do Entorno. O programa habitacional acaba tendo efeitos distintos, não sendo priorizado no DF e Entorno, diferentemente de outras localidades do Brasil, uma vez que o custo, a rentabilidade e o valor final para venda ou não se ajustam ao programa ou não compensam financeiramente.

Por fim, não é somente o incentivo empresarial que fomentará a democratização da moradia, sendo imprescindível que haja segurança jurídica e cautela por parte dos agentes públicos, rememorando que hoje temos infelizes exemplos no DF de súbitas mudanças de entendimento e cassação de alvarás de construção após grandes investimentos, início das obras e venda para terceiros, bem como nos deparamos recentemente com inúmeras ações civis públicas movidas pelo Ministério Público (que por vezes são estimuladas, nem sempre de forma racional, por escândalos políticos). Essas ações geralmente vêm com pleitos liminares para paralisação de obras em curso, interrupção de venda de imóveis e cassação de alvarás, às vezes, concedidos há anos, ocasionando inúmeros problemas às empresas de construção civil e, principalmente, aos adquirentes dos imóveis construídos.

O deficit de moradia é um problema nacional e o setor da construção civil, talvez o maior empregador do Brasil, é um dos maiores vetores de investimentos, inclusive na área de infraestrutura urbana e, imperiosamente, deve ser considerado como protagonista na busca pela igualdade social. E pela sua relevância e papel no crescimento do Brasil, certamente não pede muito ao pretender e se felicitar com a redução de impostos, aumento do crédito e preservação da segurança jurídica para que usufrua plenamente sua atividade econômica e, em consequência, ajude o Estado a cumprir o direito constitucional à moradia e ao princípio da dignidade da pessoa.