Título: Nova rolagem de dívida em gestação
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Agronegócios, p. B14
Sem alarde, o governo federal costura nos bastidores um amplo acordo político para permitir uma nova rolagem das dívidas agrícolas renegociadas pelos programas de securitização, recuperação das cooperativas (Recoop) e de saneamento de ativos (Pesa) entre 1995 e 1998. A proposta, feita nesta semana a influentes líderes e parlamentares ruralistas, inclui a edição de uma Medida Provisória para prorrogar parte dos R$ 7,7 bilhões em débitos atrasados dos três programas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu o sinal verde para a MP durante as negociações do pacote agrícola de R$ 9 bilhões anunciado ontem no Palácio do Planalto. Como o Ministério da Fazenda é radicalmente contra as discussões dessa nova rolagem, o acordo será conduzido pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na mesa, está a proposta de prorrogar as dívidas com vencimento em 2005 e 2006. Mas desde que os beneficiários tenham pago as parcelas em dia até 2004. Desconfiado da bancada ruralista, geralmente hostil às medidas da atual gestão, o governo quer um compromisso formal dos parlamentares para evitar modificações na MP causadas pelas fortes pressões comuns em anos eleitorais. "Queremos um compromisso para não desfigurar nem transformar a MP em árvore de Natal", disse ao Valor uma fonte graduada do governo. A ordem é fechar um acordo para uma rápida tramitação no Congresso e a imediata sanção da MP pelo presidente Lula. "Não há nada resolvido. Está em aberto, em discussão dentro do governo", despistou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. A nova rolagem ficou de fora do pacote agrícola de ontem (dia 6) porque o governo não queria misturar medidas conjunturais, como dívidas de curto prazo e recursos para a comercialização, com uma questão considerada estrutural em um momento de crise aguda. "Essas dívidas têm turvado o horizonte do setor", afirma o presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas. Também quis evitar sinais de que admitiria um "perdão" generalizado a maus pagadores. Por isso, quer adotar um corte com base na adimplência dos produtores. "As dívidas são um chumbo para o setor há anos", defende o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), Antônio Ernesto de Salvo. As consultas prévias para o acordo têm sido feitas pelo ministro Roberto Rodrigues. A evolução nessas negociações internas fortalece a posição do ministro no governo. Em meados de março, ele ameaçou pedir demissão caso seus pedidos não fossem atendidos de forma satisfatória. Prestigiado pela dimensão do pacote agrícola de ontem, Rodrigues tem aproveitado a proximidade com o presidente Lula e a ministra Dilma para driblar a forte oposição da Fazenda. As quedas de Antonio Palocci e de seu secretário-executivo, Murilo Portugal, abriram a guarda na equipe econômica, avaliam aliados de Rodrigues. "Ele está mais à vontade para emplacar suas teses", diz um amigo que acompanha as negociações. Em 2005, Rodrigues sofreu um enorme desgaste com o setor por causa da lentidão do governo em socorrer os produtores. "Agora, o ministro está mais forte. Finalmente, alguma coisa está sendo feita", avalia o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Abelardo Lupion (PFL-PR). A possível nova rolagem também tem apoio das lideranças da agricultura familiar porque beneficiaria pequenos e médios produtores. "Há uma sinalização para avançar nesse processo. Vamos trabalhar por este acordo", afirma o deputado João Grandão (PT-MS), coordenador do Núcleo Agrário do partido, que congrega os interesses da agricultura familiar e da reforma agrária.