Título: Troca no BC reforça ortodoxia
Autor: Alex Ribeiro e Sérgio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Finanças, p. C1
A troca de dois diretores do Banco Central, anunciada ontem, reforçou a ala mais ortodoxa da instituição, dissolvendo dúvidas que ainda poderiam haver sobre a autonomia das políticas cambial e monetária após a posse do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega. As saídas dos diretores de Assuntos Internacionais, Alexandre Schwartsman, e de Normas, Sérgio Darcy, já era há algum tempo esperada - ambos consideravam encerradas suas tarefas no BC e vinham pedindo para sair. A principal mensagem nas mudanças do BC, porém, foram os diretores indicados, que mostram afinação com a atual política do BC, e a maneira como foram selecionados, sem vestígios de que houve qualquer tentativa de Mantega em impor nomes. O atual diretor de Estudos Especiais, Alexandre Tombini, irá assumir a diretoria de Normas. No lugar de Tombini, entra o atual economista-chefe do ABN AMRO Real, Mário Mesquita. Schwartsman será substituído por Paulo Vieira da Cunha, da Universidade de Colúmbia, em Nova York, que foi o economista-chefe para América Latina do banco HSBC. O mercado financeiro aprovou os novos nomes da diretoria do BC. Uma das razões é que, com as mudanças, já estaria formada a diretoria do BC para um eventual segundo mandato de Lula. Segundo analistas, a nova diretoria é ainda mais conservadora que a atual e não se imagina que as substituições sejam meramente provisórias. A nova diretoria daria assim prosseguimento (e até aprofundamento) da gestão neoliberal das políticas monetária e cambial. Além disso, os diretores que entram e o deslocamento de Alexandre Tombini para a de Normas deverão, na avaliação do mercado, robustecer o "núcleo duro" do Copom. A mudanças indicam ainda que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, de fato não manda nada no BC. De acordo com o presidente do BC, Henrique Meirelles, a instituição não vai ficar mais conservadora com as novas mudanças na diretoria. Segundo ele, as trocas são normais e não alteram o perfil da autoridade monetária. "O BC não é conservador ou outro tipo de classificação", afirmou Meirelles, para quem a instituição apenas segue a missão definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de perseguir a meta de inflação. Para ele, o BC seria conservador se os índices de preços ficassem constantemente abaixo do alvo escolhido pelo CMN, mas não é isso que tem ocorrido. "É uma instituição que não é muito agressiva nem muito conservadora." Para justificar a escolha de Paulo Vieira da Cunha, Meirelles disse que se trata de profissional com experiência diversificada, que foi economista do Ipea durante muito tempo, com passagens pelo Banco Mundial e pela Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo no governo Franco Montoro. O presidente do BC também ressaltou que Cunha atuou no exterior no setor privado e na universidade. "Ele é um profissional que vai também agregar muito ao BC, que dará continuidade ao trabalho cambial e vai também representar o Brasil nos organismos internacionais e com os investidores internacionais." Enquanto as indicações não são apresentadas ao Senado, Tombini assume a diretoria de Normas, enquanto Darcy passa para a área de Estudos Especiais. Schwartsman também fica temporariamente na diretoria colegiada. Ambos ainda participam da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para o próximo dia 19. Depois, cumprem quarentena, durante quatro meses. Schwartsman saiu do BC porque pretende retornar à iniciativa privada (antes de entrar no BC, em novembro de 2003, ele era o economista-chefe do Unibanco). Ao longo dos últimos dois anos e meio, a sua diretoria teve as atribuições reduzidas. Primeiro, deixou de ser a responsável pelas captações soberanas, tarefa que foi completamente transferida ao Tesouro em janeiro de 2005. Em março do ano passado, deu por praticamente encerrado o projeto de liberalização das normas cambiais, com a unificação dos mercados de câmbio e a criação de um caminho claro e transparente para as remessas de dólares ao exterior, que antes eram feitas pelas contas CC5. Nos planos do BC está avançar na liberalização cambial, mas medidas complementares dependem do Congresso Nacional, sobretudo para revogar a exigência de cobertura cambial. Num ano com eleições, Schartsman via como remotas as chances de um projeto como esse ser aprovado. Vieira da Cunha, com perfil suficientemente ortodoxo para agradar o mercado financeiros, foi em 2002 um dos poucos analistas sediados de Wall Street a ir contra maré e afirmar que não haveria caos com um eventual governo do PT. Na semana passada, porém, fez ao colunista Cristiano Romero, do Valor, uma declaração cética sobre o futuro da política fiscal sob o comando de Mantega. "Com Mantega, certamente nos distanciamos de uma solução para o problema fiscal." O fato de que ter sido indicado um nome que, há poucos dias, criticou abertamente o novo ministro da Fazenda reforça a interpretação de que o BC seguirá agindo com independência. Na semana passada, com a demissão de Palocci e a nomeação de Mantega, um crítico das políticas monetária e cambial, Lula decidiu fazer valer de fato a medida provisória que deu status de ministro ao presidente do BC, Henrique Meirelles, fazendo-o responder diretamente ao Planalto. Mesquita, à frente do departamento de economia do ABN AMRO, também mostra afinamento com a política implementada pelo BC, com eventuais divergências pontuais que, na essência, não fogem das opiniões hoje postas nas reuniões do Copom. A troca de Darcy por Tombini também reforça o caráter mais técnico das decisões de política monetária. Responsável pela elaboração de circulares e resoluções, Darcy é um diretor com perfil mais operacional, que, apesar de ser o mais antigo membro do Copom, não tem especialização acadêmica na área monetária. Tombini tem sólida formação no assunto e, em 1999, foi um dos funcionários de carreira do BC que trabalharam na implantação dos modelos econômicos usados pelo Copom, durante a gestão de Armínio Fraga. Darcy irá assumir, em agosto, a presidência do conselho deliberativo da Centrus, o fundo de pensão dos funcionários do BC.