Título: Política e regulação financeira
Autor: Saddi,Jairo
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2011, Política, p. A17

É atribuída a Poincaré a célebre frase de que a "moeda é importante demais para ser deixada para os bancos centrais", numa defesa romântica a favor da ingerência política nos assuntos de regulação financeira e política monetária. Mas, se há uma lição importante a ser aprendida com a crise, e principalmente corroborada pelos fatos recentes, é que políticos só fazem algo desagradável e impopular quando forçados pelos mercados financeiros. Foi assim quando o Lehman Brothers quebrou, foi assim para aprovar o Tarp, foi assim para aprovar os acordos com a Grécia e, mais uma vez, assim foi quando houve a ameaça de default, no caso do limite da dívida do Tesouro dos Estados Unidos.

E se os agentes econômicos são avessos tanto à inflação inesperada, como à instabilidade de mercados, nada pior para um investidor do que a incerteza. Portanto, em última análise, os interesses de longo prazo de uma sociedade dependem da habilidade do banco central de controlar a inflação (logo, o valor da moeda) e de manter a estabilidade no sistema financeiro. No entanto, numa democracia, são sempre os políticos que devem tomar determinadas decisões de política pública, afetando de modo dramático a regulação financeira e a política monetária.

Os representantes políticos sabem que não ocuparão seus cargos eletivos para sempre. Logo, há sempre uma certa tendência de procurar seguir o faro da emoção e do debate político da hora e, em geral, apoiar as iniciativas do ocupante do poder. Contudo, há momentos em que pode ocorrer uma tensão dadas as demandas do Executivo e isto é o que tem sido mais frequente.

O caráter da atuação do banco central não é, nem poderia ser, meramente técnico e apolítico

Já a autoridade monetária é um agente político como qualquer outro, passível de sofrer pressões, e está, por isso, constantemente negociando seu espaço político. Muitos afirmam que o Banco Central deve ter apenas o papel de executor, não de formulador. Vale dizer, que é um órgão técnico, não político e a regulação que emana é sempre técnica.

Um banco central pode ainda contar com o apoio externo da comunidade financeira, mas sempre precisará afinar seu discurso e sua prática com o Ministério da Fazenda (ou o Secretário do Tesouro). Mais uma vez, os impactos regulamentares são grandes: enquanto o sistema quase sempre irá preferir uma autoridade monetária desligada das pressões do Poder Executivo, como forma de resguardar seus interesses, ao mesmo tempo, certo distanciamento pode significar ruídos de comunicação e, eventualmente, medidas regulamentares atabalhoadas - nosso caso, como vimos na reforma cambial anunciada neste mês.

Contudo, o relacionamento de um banco central com o Executivo nem sempre é beligerante. Uma das formas mais tradicionais de influir num banco central se traduz pelo poder de nomear sua diretoria. Outra é exigir aprovação prévia da Fazenda ou do Tesouro para assuntos de regulação e de política monetária. Apesar de efetivamente cumprir uma função técnica, qualquer banco central cumpre também uma função política. E é a função política que traz resultados para sua atividade regulamentar.

A função técnica do banco é sobejamente conhecida: regular a quantidade de moeda e, consequentemente, do crédito em circulação, executar as políticas monetárias e cambiais e regulamentar as normas em matérias monetárias, financeiras e de trocas entre moedas internacionais. Objetivos técnicos, contudo, não são separáveis e identificáveis; dependem do cumprimento de determinados outros objetivos de políticas públicas em comum. A condição puramente técnica, ademais, poderia exigir privilegiar determinado objetivo, por exemplo, a meta da inflação sobre qualquer um dos outros objetivos da política econômica e social, o que implicaria afirmar que a política monetária é neutra, o que não é verdade.

Esses princípios e premissas para o exercício de uma função apolítica do banco central mostram que o caráter da atuação não é, nem poderia ser, meramente técnico. Os objetivos da política econômica realmente não são separáveis, uma vez que repercutem em todas as esferas da política e da economia. Além disso, pode-se considerar a perseguição a objetivos muito específicos, porém com elevados custos sociais, políticos e econômicos. Essa visão implicaria uma distorção da realidade em proposições unicamente excludentes. Gostemos ou não, a regulação financeira tem inegáveis e importantes componentes políticos e é determinada e influenciada por eles; sendo assim, é necessário serenidade e desprendimento dos políticos e é por isso que cooperação é sempre fundamental na época de crises.

Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper, escreve mensalmente às segundas-feiras.