Título: Defasagem está em 20%, diz Mesquita
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, Finanças, p. C3

Mario Mesquita, 40 anos de idade, formado pela PUC do Rio e pós-graduado em Oxford, na Inglaterra, é um dos maiores especialistas em câmbio no País. Por cinco anos foi o economista chefe do holandês ABN AMRO para a América Latina, depois de ter passado três anos no Fundo Monetário Internacional. Ontem, ele foi confirmado para uma das diretorias do Banco Central, mas na sexta-feira, ainda como economista do ABN, ele falou ao Valor sobre um estudo que acabou de realizar com sua colega na equipe do banco, Zeina Latif, que analisou o câmbio desde 1900 e aponta para uma taxa de câmbio de equilíbrio histórica de R$ 2,55. Mario Mesquita, novo diretor do BC: "movimento do dólar em direção à média histórica pode ser bem vagaroso"

Valor: Uma das grandes perguntas de investidores brasileiros hoje é saber se este é um bom momento para coprar dólar. O dólar está barato? Mario Mesquita: Nosso estudo aponta para uma taxa de câmbio real histórica na ordem de R$ 2,55. Ou seja, no patamar de R$ 2,12, a taxa de câmbio real representa apenas 80% do seu valor médio no longo prazo. De acordo com nossas estimativas, no final de 2005 o real estava, ajustado pela inflação, 91% da média de longo prazo. Isto contrasta com o período de 1995 a 1998, quando a taxa de câmbio estava na média 64% de seu patamar de longo prazo. Desde então, o real passou por uma apreciação de mais 9% em termos nominais.

Valor: Ter uma moeda apreciada é um bom sinal? Mesquita: O câmbio tem um componente psicológico importante e tem um impacto forte nos lucros de vários setores da economia. Por isso a taxa de câmbio preocupa, pois afeta duas variáveis importantíssimas que são o crescimento econômico e as exportações. A valorização do real revela uma série de avanços positivos. A melhora do risco brasileiro tende a levar a valorização de diversos ativos brasileiros, inclusive o real. Essa melhora envolve mais facilidade para fazer pagamentos externos. O índice da dívida externa sobre as exportações caiu de 3,2% em 2001 para 1,5% no final de 2005. Mas o diferencial de juros internos e externos também suporta essa apreciação da moeda brasileira. Por isso, muitos podem argumentar que o real vai perder parte da atratividade com uma redução das taxas de juro e a moeda poderia depreciar no curto prazo. Isso poderia gerar alguma preocupação, por isso fomos medir a taxa de câmbio histórica, para saber o quanto a taxa atual está longe da taxa de equilíbrio.

Valor: Vocês mediram a taxa de câmbio em que período? Mesquita: A clássica abordagem para o equilíbrio da taxa de câmbio é o poder de paridade de compra (PPP, na sigla em inglês). Apesar de ter sido usada por séculos, tem merecido pouca atenção dos analistas de mercado. Para nós, o relevante é que no longo prazo, a taxa de câmbio ajustada pela inflação retorna para seu patamar de longo prazo. Por longo prazo a gente entende 50 a 70 anos e não 50 meses. Nos mercados emergentes, a ausência de dados de longo prazo atrapalha esse tipo de análise. Por isso, nós construímos uma série de longo prazo de taxa de câmbio baseada nos índices de preço e taxa oficial de câmbio no Brasil e Estados Unidos.

Valor: E o que vocês acharam de relevante ao olhar esse histórico? Mesquita: O período de instabilidade macroeconômica visto no Brasil a partir dos anos 80 teve um grande impacto nas taxas de câmbio e aumentou fortemente sua volatilidade, alternando momentos de grande apreciação e depreciação da moeda. É claro que se pode argumentar que o período é muito longo e que inclui uma fase em que o Brasil era uma economia agrária, com uma forte dependência do café. Mas do ponto de vista da analise com uma abordagem PPP, o que mais importa é se o país em questão converge ou não com relação a renda per capita e produtividade com economias avançadas e se isso representa movimentos estruturais em termos de balança comercial. No caso brasileiro essa convergência ocorreu até 1980, quando o Brasil, como as economias asiáticas de hoje, tinha uma história de convergência. Mas desde então, apesar de terem ocorrido alguns ganhos de produtividade, não houve mais a convergência.

Valor: No estudo vocês também mediram o tempo que leva para que a taxa de câmbio volte ao seu ponto de equilíbrio? Mesquita: Parece que o Brasil vai reverter sua taxa de câmbio para a média histórica, mas isso não é um consolo para os exportadores brasileiros, porque o movimento em direção a esta média histórica pode ser bem vagaroso. No Brasil, pelas nossas estimativas, o desvio da taxa de câmbio do seu ponto de equilíbrio teria uma "meia vida" de 6,9 anos. "Meia vida" é uma medida utilizada pelos economistas para estimar a duração desse movimento.

Valor: Ou seja, pode levar quase sete anos para a taxa de câmbio voltar ao ponto de equilíbrio histórico? Mesquita: Pode levar até mais, porque a "half life" mede, na verdade, a metade do tempo necessário para chegar a taxa de equilíbrio. No caso brasileiro é um tempo maior do que os 5,5 anos estimados num estudo recente com economias mais industrializadas. A diferença pode ser explicada pelo fato de que o Brasil é uma economia com uma abertura menor para o comércio internacional do que os países analisados.

Valor: Uma moeda apreciada não pode comprometer as contas externas? Mesquita: Uma moeda apreciada significa que os produtos "tradables" (comercializáveis no mercado internacional) vão exercer uma influência desinflacionária na economia ajudando o Banco Central a manter a inflação sob controle. A melhora da posição líquida de ativos externos, graças a uma desalavancagem dos setores público e privado, significa que é pouco provável que se veja uma dramática deterioração da conta corrente. De fato, com a taxa de câmbio atual podemos projetar um balanço de conta corrente de 1% a -0,1% do PIB em 2006 e 2007, uma deterioração comparada ao superávit de 2% do PIB observado em 2005, mas longe de ser alarmante.

Valor: Como o senhor enxerga 2007? Mesquita: O consenso do mercado é que o Brasil caminha para o grau de investimento. O país pode ter avanços e notas cada vez melhores, mas não vai chegar a grau de investimento em 2007. Ainda faltam muitos passos. Mas ele caminha neste sentido. O cenário mais provável é o de continuidade. O grande diferencial que o mercado vai olhar em relação ao novo governo será a agenda micro e reforma do estado. Um governo, qualquer que seja ele, disposto a adotar uma agenda que facilite o crescimento, reforma da previdência para consolidar as finanças do setor público, reformas trabalhistas para reduzir a informalidade vai ser percebido pelo mercado, pelas agências de rating, pela comunidade financeira internacional como um governo que tem maiores chances de acelerar o crescimento da economia brasileira. Portanto, o Brasil vai ser premiado e vai abreviar um pouco o caminho até o grau de investimento. Por outro lado, se o governo não tiver condições políticas de adotar tais reformas, eu não digo que necessariamente a gente vai escorregar para uma crise fiscal de curto prazo, mas a gente ficaria com um tipo de crescimento inferior ao que o Brasil poderia almejar.

Valor: Qual o tamanho do crescimento que o senhor acha que é possível? Mesquita: O ideal para o Brasil seria crescer em torno de 4% ou 4,5% consistentemente nos próximos anos.