Título: Riscos às claras
Autor: Daniele Camba e Angelo Pavini
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2006, EU &, p. D1
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou ontem em audiência pública um extenso documento com mudanças importantes na Instrução 409, editada em agosto de 2004, que regulamenta o setor de fundos. Entre as principais alterações está a criação de limites de concentração das aplicações dos fundos por tipo de ativo (papéis públicos, privados de empresas ou de instituições financeiras) e não apenas os limites por emissor, como já consta na legislação atual. O objetivo, segundo o superintendente de desenvolvimento de mercado da autarquia, Henrique Vergara, é adaptar os fundos para uma nova realidade que o setor deve ter com a queda da taxa de juros. A tendência é de que, para continuar oferecendo bons retornos, os gestores aumentem a parcela de títulos privados nas carteiras, especialmente nas de renda fixa, multimercados e cambiais. Nesse novo cenário, segundo Vergara, é importante evitar uma concentração excessiva desses papéis, que podem ter mais risco que os títulos públicos, especialmente em fundos de varejo, destinados a investidores que costumam ter menos apetite a risco. O objetivo das mudanças também é, segundo o superintendente da autarquia, tornar explícito ao investidor os riscos que corre. Muitos fundos já aplicam parcelas importantes do patrimônio em debêntures (papéis de renda fixa de longo prazo emitidos por empresas). Outros compram Cédulas de Crédito Bancário (CCBs - papéis emitidos por empresas clientes dos bancos) ou Cédula do Produto Rural (CPR - emitidos por produtores rurais). Como o risco de cada um desses papéis é muito diferente, o investidor precisa ser informado da chance de perdas. A medida impediria casos como o do Banco Santos, que tinha vários fundos formados por CCBs e CPRs de clientes e que não informavam o alto risco aos cotistas. Para o gestor de uma administradora de recursos independente, as mudanças evitam um novo Banco Santos no varejo, o que seria ainda mais devastador. As carteiras de varejo poderão ter até 30% do patrimônio em outros papéis que não sejam títulos públicos. Dentro desses 30% estão: títulos de instituições financeiras; ações, debêntures e outros valores mobiliários registrados na CVM; cotas de fundos registrados na CVM. Cada um desses grupos poderá responder por até 20% do patrimônio. Por fim, títulos privados não registrados na CVM, como CCBs e CPRs, com apenas 10%. As quatro categorias somadas não podem ultrapassar os 30% do patrimônio. Por exemplo: uma carteira que possui 20% em papéis de instituições financeiras, como CDBs, poderá ter no máximo mais 10% em ações, cotas de fundos ou CCBs. Esse limite de diversificação nos fundos multimercados, cambiais e de renda fixa de varejo pode subir de 30% para até 50% do patrimônio, contanto que o cotista assine um termo de ciência dos riscos de perdas. Além disso, no nome do fundo deverá haver a expressão "Crédito Privado". Os fundos multimercados, porém, poderão ter até 100% em ações. O objetivo, segundo Vergara, é restringir o quanto um fundo de varejo pode tomar de risco, especialmente em papéis que não são registrados na CVM. Ele afirma que esse limite não tornará inviável a diversificação das carteiras, já que elas ainda possuem um percentual muito baixo em papéis privados. "Ainda há muito espaço para o aumento de dívida privada nas carteiras." Estudo da CVM mostra que 70% do patrimônio dos fundos de renda fixa de varejo estão em títulos públicos e outros 14% em operações compromissadas. A flexibilização do percentual de 30% até 50% em papéis privados não vale para fundos referenciados - a grande maioria deles fundos DI. O superintendente da CVM lembra que um investidor que aplica em um fundo DI dificilmente está disposto a tomar o mesmo risco de quem aplica em multimercados, renda fixa ou cambiais. O percentual de 30% em papéis privados pode chegar a 60% no caso de fundos voltados para investidores qualificados - com aplicação mínima de R$ 300 mil. Sem determinar um novo valor, a CVM também coloca em discussão o aumento desse mínimo para o investidor ser qualificado. Vergara diz que em outros países a cifra é bem maior: US$ 5 milhões nos EUA e 500 mil euros na União Européia. A proposta cria ainda a figura do fundo para o investidor "superqualificado", com aplicação acima de R$ 1 milhão, cujas carteiras não precisam seguir limite algum. O limite de concentração por emissor, que já existe, nos fundos de varejo se mantém em 10% para os papéis do mesmo emissor privado e 20% para instituições financeiras. No caso de fundo para investidor qualificado, os percentuais sobem para 20% e 40%. Na linha de uma maior diversificação, a proposta permite que os fundos multimercados para investidores qualificados apliquem até 10% do patrimônio no exterior, em países cujas CVMs possuem acordo de cooperação com a autarquia brasileira ou que participem de um memorando de multilateralidade da IOSCO, associação que abriga todas as CVMs. Segundo Vergara, se encaixam nessa categoria cerca de 25 países, como EUA e Bélgica. Com as mudanças, a CVM quer também que os prestadores de serviços, como administradores, agências de rating ou empresas de avaliação de fundos ajudem na fiscalização, informando à autarquia qualquer alteração suspeita, diz o advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, do escritório Mattos Filho Advogados. As agências de classificação serão obrigadas a avisar sobre qualquer alteração de risco e, se a agência for dispensada pelo fundo, ela terá de fazer um relatório final que será enviado à CVM e anexado ao regulamento. "Se houver problema, o investidor verá". Outra mudança permite aos fundos mandar informações antes para empresas de avaliação, desde que elas informem a CVM se detectarem irregularidades na avaliação dos ativos do fundo. Queiroz critica, porém, a definição de limites por tipo de ativos. "Isso é um retrocesso, acaba por tutelar o investidor e reduzir a atuação do gestor." Sobre a classificação dos ativos privados como de maior risco, ele lembra que muitas empresas brasileiras hoje têm uma avaliação melhor do que a do governo.