Título: Falta agenda comercial com os países andinos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Brasil, p. A2

O gesto teatral do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao anunciar que retiraria seu país da Comunidade Andina de Nações (CAN), criou uma crise política entre os países que o governo brasileiro tenta unir na sonhada Comunidade Sul-Americana de Nações, mas não só isso. Chávez justificou-se com o argumento de que as exportações venezuelanas serão prejudicadas com acordos de livre comércio entre EUA e governos da Colômbia e Peru. Expôs, com isso, um problema que incomoda empresários no Brasil: a possível perda de mercado, na vizinhança, para exportações originadas nos EUA.

Esse desequilíbrio competitivo resultaria da estratégia americana de buscar acordos bilaterais no continente, desde o fracasso das negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O setor privado aguarda, sem muita fé, um gesto do governo brasileiro bem menos dramático que o feito por Chávez, para recuperar terreno nos mercado vizinhos. Trata-se de cobrar, de países como Chile, Colômbia e Equador, a extensão, ao Brasil, das vantagens concedidas aos exportadores americanos, ou a negociação de "compensações" pelas preferências feitas aos EUA.

Essas "compensações" estão previstas no acordo de liberalização comercial assinado em 2003 entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina - um tratado com 67 cronogramas diferentes de redução de tarifas, e tantas limitações que os empresários o consideraram pouco transparente, de difícil aplicação prática, e pouco efeito concreto.

Falta ainda uma avaliação do resultado do acordo, que começou a vigorar, de fato, em 2005, ano em que as vendas do Brasil à Venezuela cresceram pouco mais de 50%, e, para a Colômbia, 35%. No primeiro bimestre de 2006, as importações venezuelanas de produtos brasileiros aumentaram quase 60%, e as colombianas apenas 28%. Embora os empresários considerem necessário cobrar dos vizinhos as concessões feitas aos EUA, esse tipo de negociação é muito difícil, na prática, como comenta a gerente-executiva da Unidade de Negócios Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Soraia Rosar.

O governo não lançou negociações com os andinos para buscar as tais compensações previstas no acordo, nem incluiu o tema nos discursos das autoridades, apesar das declarações em favor da integração regional. É uma ausência que alimenta as críticas da oposição contra a decisão brasileira de endurecer nas negociações da Alca.

-------------------------------------------------------------------------------- Desafio é diversificar pauta de exportações --------------------------------------------------------------------------------

Apesar do desdém com que os críticos tratam os gestos de aproximação com países do continente, a vizinhança não é um mercado desprezível. O Chile é o sétimo maior comprador de produtos brasileiros, com US$ 3,6 bilhões em compras de mercadorias do país em 2005, acima da Itália, Reino Unido e França. A Venezuela é o 13º maior mercado para exportações do Brasil, e importou US$ 2,2 bilhões no ano passado, bem mais que Espanha ou Canadá. A Colômbia importou US$ 1,4 bilhão, e ocupou o 19º lugar.

O interesse dos empresários em relação a esses mercados, porém, é mais defensivo. Como mostraram os economistas Sandra Rios (também da CNI) e Roberto Iglésias, em um estudo cuidadoso para a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (www.funcex.com.br), Chile, Colômbia e Venezuela não entrariam na agenda prioritária de negociações comerciais do Brasil, caso fossem levados em conta somente critérios econômicos, como tamanho e dinamismo dos mercados e barreiras às vendas brasileiras. Até porque esses países já têm acordos com o Brasil e já ocupam parte grande da pauta de importações com produtos brasileiros.

Para Rios e Iglésias, os mercados desses países, com importações totais inferiores a US$ 20 bilhões por ano, não trazem grande potencial de ganhos para o Brasil, em relação a outros parceiros comerciais, como o Canadá, ou mesmo outros países em desenvolvimento, como China, Coréia do Sul, México e Índia.

O maior desafio, no caso dos andinos, é diversificar a pauta de exportações; a tarefa, quem sabe, poderia ganhar algum impulso caso o país se engajasse na busca de compensações pela abertura andina aos produtores dos EUA. O acordo da CAN com o Mercosul se limitou, na prática, a produtos já comercializados pelos dois blocos, e representará uma abertura muito maior do mercado brasileiro aos produtos daqueles países, que ampliará as compras de mercadorias brasileiras pelos vizinhos. O governo defende o acordo como um primeiro passo, o possível, para a abertura gradual dos mercados andinos.

Um estudo da CNI citado pela economista Lia Valls Pereira, em artigo para a "Revista Brasileira de Comércio Exterior", da Funcex, mostra que, com o acordo, o Brasil garante acesso imediato - em um ano - a quase 43% das importações originadas na Colômbia, 81% para os produtos da Venezuela, 93,9% para o Equador e 96,1% para o Peru. No mesmo período, a maior abertura aos produtos brasileiros virá da Colômbia, que dará livre acesso apenas a 24,2% das importações que faz do Brasil.

No trabalho para a Funcex, Lia Valls comenta que há duas formas de avaliar os resultados dos acordos firmados com os andinos, um deles meramente "mercantilista", como o feito pela indústria, que se limita a calcular os ganhos comerciais imediatos. A outra forma de avaliação seria verificar o efeito do acordo para a consolidação de um "espaço sul-americano", de integração crescente, o projeto do governo.

O problema, conclui a economista, é que também esse ponto de vista é muito desfavorável ao acordo entre Mercosul e os andinos. O acordo é complexo demais, as regras criam um "comércio administrado" entre os dois blocos (em setores como o automotivo), e falta um ambiente econômico-institucional adequado para que as oportunidades de comércio criadas abram caminho a maior integração regional. Esse é um dos motivos por que Chávez não terá sucesso em sua exigência de que Colômbia e Peru troquem os EUA pelo Mercosul. E indica que, para usar o comércio como alavanca de integração, o governo tem de mudar a estratégia.