Título: Seis meses depois , furnas só trocou de presidente
Autor: klein, Cristian
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2011, Política, p. A8

Símbolo das mudanças que a presidente Dilma Rousseff pretendia fazer na Eletrobras, Furnas, estatal de maior orçamento do setor, de mais de R$ 9 bilhões, segue, seis meses depois da posse, quase intacta.

Depois de uma queda-de-braço com o PMDB, Dilma tirou o presidente da estatal Carlos Nadalutti, apadrinhado do deputado federal Eduardo Cunha (RJ), vice-líder do partido na Câmara, mas manteve intactas todas as diretorias. Funcionário de carreira da estatal, Nadalutti não poderia ser demitido. O novo presidente, Flávio Decat abrigou-o como assessor de seu gabinete.

As expectativas de mudança foram alimentadas pela carta, divulgada em janeiro deste ano pelos funcionários de Furnas - "Furnas passa por uma das maiores crises de sua história e teme-se por seu futuro. Os empregados preocupados com o futuro da empresa apostam na intervenção da presidente Dilma", dizia o manifesto, que prosseguia listando o loteamento político da estatal e os prejuízos ao erário dele decorrente.

A avaliação interna, é de que Decat não teve autonomia para trocar a cúpula da empresa - de superintendentes a diretores - da companhia que assumiu em fevereiro.

Nome técnico, Decat era cotado para assumir a presidência da holding, mas o cartucho foi queimado logo em Furnas na tentativa de mudar a empresa. Mineiro, Decat é próximo do senador Aécio Neves, do PSDB, dos tempos em que trabalhou no setor elétrico em Minas Gerais e caiu no gosto da presidente Dilma, quando ela era ministra das Minas e Energia. Também teria relações com a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB), vinculação que Decat nega peremptoriamente. O executivo já disse a interlocutores que se encontrou com Sarney a pedido da própria Dilma mas que seu nome ficou vinculado ao do político maranhense porque uma conversa foi grampeada pela Polícia Federal, que investigava integrantes da família do senador.

A nomeação de Decat criou a imagem de que a autoridade de Dilma havia prevalecido e que o novo presidente de Furnas faria uma "limpeza", impondo um estilo mais gerencial e menos subordinado a pedidos e pressões políticas. Ele assumiu depois de uma série de denúncias envolvendo favorecimento a um grupo ligado a Eduardo Cunha que gerou perdas para Furnas em negócios envolvendo as hidrelétricas Serra da Carioca II e Serra do Facão. Uma das primeiras medidas de Decat em Furnas foi o afastamento de Aluízio Meyer de Gouvêa Costa, substituído por Celio Calixto, homem de confiança do novo presidente.

Apadrinhado de Cunha e com passagem pela Cedae, Aluízio Meyer, como é mais conhecido, já tinha sido condenado por improbidade administrativa. As três sociedades de propósito específico (SPEs) presididas por ele - a Transenergia Renovável, Transenergia São Paulo e Transenergia Goiás - foram criadas para construir linhas de transmissão e subestações tendo Furnas com sócia com 49%. Outro afastado foi Boris Gorenstin, que ocupava o cargo de assessor da presidência na gestão de Conde e de Nadaluti, e era responsável pela análise de novos investimentos.

Depois que a poeira assentou, a impressão é de que nada mudou na empresa. Uma das razões para a inércia seria o modelo de governança corporativa no qual as decisões são colegiadas e o voto do presidente vale tanto quanto o dos demais cinco diretores. Sua ligação direta com a presidente impõe respeito e alguns diretores tentam se mostrar solícitos. Mas a atuação de Decat tem frustrado funcionários que apoiaram o manifesto de janeiro e já a alcunha de "tigre de papel". Procurado pelo Valor, Decat não quis se pronunciar.

Integrantes de uma equipe que vem desde a penúltima presidência de Luiz Paulo Conde - ex-prefeito do Rio, que também chegou ao cargo pela força de Cunha -, permanecem nos mesmos lugares.

Nos cargos principais da empresa, os cinco diretores ainda são os mesmos. O chefe de gabinete da presidência, Luiz Roberto Bezerra, foi mantido. Apesar de fontes informarem que Nadalutti não tem ingerência alguma mais na empresa, a expressão é sempre de espanto entre funcionários da Eletrobras que de repente descobrem que ele se tornou assessor direto da presidência. Em diversas atas de assembleias de empresas do grupo, o nome de Nadalutti aparece assinado ao lado do de Decat.

Ocupantes de outros postos importantes - como a consultora jurídica Denise Paiva e os superintendentes de Responsabilidade Social, Ana Cláudia Gesteira, de Recursos Humanos, Francisco Alonso, e de Organização e Informática, José Carlos Faria - também permanecem.

Segundo uma fonte ligada à empresa, o novo presidente estaria cercado e imobilizado pela força das indicações políticas controladas pelo PMDB e por Eduardo Cunha, os quais ainda exercem pressão. A situação seria um reflexo da própria dificuldade da presidente Dilma Rousseff de impor sua vontade perante os aliados.

"A Dilma achou que podia enfrentar esses interesses e está apanhando para dobrá-los", afirma a fonte, que compara a ocupação de Furnas à do Ministério dos Transportes, cuja cúpula caiu devido a denúncias de corrupção, mas continua sob o comando do PR.

Diante dos últimos dois presidentes, Conde e Nadalutti, apadrinhados de Eduardo Cunha, Decat é visto como alguém que impede um controle maior do deputado sobre a empresa, mas que não consegue reverter a situação e atender à expectativa de sua nomeação por Dilma.

Seu papel tem sido mais o de garantir a manutenção da correlação de forças - como resistir à pressão para retirar o diretor de Operação do Sistema e Comercialização de Energia, Cesar Ribeiro Zani, cuja indicação é atribuída ao deputado licenciado e secretário municipal de Habitação do Rio, Jorge Bittar (PT) - do que mexer com os interesses de aliados.

Duas diretorias, a de Construção, ocupada por Márcio Porto, e a financeira, por Luiz Henrique Hamann, teriam como padrinhos, respectivamente, dois caciques do PMDB: o presidente em exercício do partido, o senador Valdir Raupp (RO), e o também senador Romero Jucá (RR). A diretoria de Engenharia, de Mario Márcio Rogar, seria da cota do PR. E a de Gestão Corporativa, ocupada por Luís Fernando Paroli Santos, teria como padrinhos o deputado Odair Cunha (PT-MG) e Eduardo Cunha.

O deputado fluminense estenderia ainda sua influência por outros cargos, como os de superintendentes, e de Nadalutti e Bezerra - assessores diretos de Decat.

A escolha de pessoas da confiança de Dilma para a presidência de Furnas e da Eletrobras, chegou a ser utilizada como justificativa pelo governo para que novas frentes de conflito não fossem abertas, como a alteração de diretorias de estatais, autarquias e bancos públicos da Região Norte, controladas pelo PMDB.