Título: O americano tranquilo de mais
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2011, Opinião, p. A10

Agora ficou evidente que os Estados Unidos são o principal culpado pelo fato das negociações multilaterais de comércio exterior, iniciadas há dez anos e conhecidas como Rodada Doha, não serem concluídas neste ano. Os EUA menosprezaram até a tentativa desesperada do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, de fazer os países membros apoiarem um acordo reduzido - descrito pelos críticos como Doha Descafeinada -, que basicamente se limitaria a algumas concessões de países menos desenvolvidos.Embora alguns participantes coadjuvantes também possam ser visto como vilões, foi o embaixador dos EUA na OMC, Michael Punke, quem assumiu o papel de "senhor Não" do comércio mundial. O problema, no entanto, não é Punke. A oposição dos EUA vem das altas esferas do governo do país, a começar pela falta de liderança do presidente Obama.

Desde o início de sua presidência, a defesa de um regime liberal de comércio, por parte de Obama, vem sendo inadequada. Ele disse diversas vezes que as exportações são positivas para o país: criam empregos. As exportações americanas, contudo, são importações de outros países, portanto o argumento de Obama significa dizer aos outros que percam seus empregos. Ele precisa recordar aos americanos que as importações também são positivas: ele certamente pode pedir ao seu público para pensar nos empregos em aviões de carga da UPS, em trens de carga e nos caminhões que transportam importações ao interior dos EUA.

O principal problema, contudo, é que Obama não foi capaz de enfrentar e acabar com a hostilidade ao comércio dos sindicatos trabalhistas dos EUA, originada pelo medo. Também não mostrou disposição de confrontar os lobbies empresariais interessados em manter a Rodada de Doha como refém para ganhar ainda mais concessões de outros países, mesmo sabendo que as negociações serão sugadas pelo Triângulo das Bermudas que são as eleições presidenciais americanas, em 2012.

Ainda assim, há pouco na oposição de sindicatos assustados e lobbies empresariais gananciosos que Obama não poderia rebater com argumentos convincentes. Além disso, como a respeitada analista de pesquisas Karlyn Bowman demonstrou recentemente, o público dos EUA não é, de forma alguma, altamente contrário ao comércio exterior. Isso, em parte, porque praticamente em todos os Estados há muitos empregos atualmente - e não apenas na UPS - que dependem do comércio. O protecionismo, na verdade, pode ser um dinossauro eleitoral.

De qualquer forma, grandes estadistas da história sempre mostraram seu valor resistindo a tendências políticas por questões de princípios. Se Obama realmente escrevesse menos e lesse mais, encontraria pelo menos dois episódios históricos de brava liderança em questões comerciais que são dignos de serem admirados e imitados pelo presidente.

Um foi a rejeição da Lei do Trigo inglesa pelo então primeiro-ministro Robert Peel, em 1848. Na votação crucial de rejeição, que acabou com sua carreira política, Peel ganhou apenas 106 votos de seu Partido Conservador, enquanto 222 colegas da legenda foram contrários. Ele ganhou, mas perdeu o apoio de seu partido. Como lorde Ashley observou em seu diário: "Peel liderou os tories (conservadores) e acompanhou os whigs (liberais)."

O outro exemplo é Winston Churchill, eleito como deputado conservador da cidade industrial de Oldham, norte da Inglaterra. Depois de converter-se ao livre comércio em 1904, ele teve de deixar o partido. Juntou-se, então, ao Partido Liberal, ao aceitar convite da Associação Liberal do Noroeste de Manchester.

Churchill também era a favor da livre imigração e se opunha firmemente ao projeto de lei sobre estrangeiros (em parte, porque via traços de antissemitismo no medo de uma "invasão estrangeira", desencadeado pela entrada de imigrantes judeus do Leste Europeu). Churchill era um político de princípios que, assim como Peel, lutou contra seu próprio partido e, ao contrário de Peel, sobreviveu para alcançar um triunfo político ainda maior, na épica batalha contra os nazistas.

Esses "perfis de coragem", para pegar emprestada a famosa frase de John F. Kennedy, deveriam inspirar Obama em um momento no qual há necessidade gritante em Washington de liderança presidencial em questões econômicas cruciais. Obama faz campanha com o lema "Sim, nós podemos", e não "Sim, nós podemos, mas não faremos". Enquanto ele vê a economia americana ser atacada pela ignorância econômica, tenho um novo, e melhor, lema para ele: "Nec aspera terrent", ou seja, "danem-se as dificuldades".

Jagdish Bhagwati é professor de Economia e Direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Conselho de Relações Exteriores. Foi copresidente do grupo de especialistas em comércio indicado pelos governos da Grã-Bretanha, Alemanha, Indonésia e Turquia. Copyright: Project Syndicate, 2011.