Título: Decisão do STF ameaça incentivos fiscais dos Estados
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Brasil, p. A3

Uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, semana passada, está tirando o sono de secretários estaduais de Fazenda. Ao declarar inconstitucional a lei de incentivos fiscais adotada pelo Pará em 2002, o STF sinalizou que qualquer incentivo concedido à margem do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) pode ser cancelado retroativamente à data de concessão.

"Haverá efeito dominó e um problema econômico de dimensões inimagináveis", alerta Lina Maria Vieira, secretária de Fazenda do Rio Grande do Norte e coordenadora do Confaz. Formado pelo secretários estaduais de Fazenda, Finanças e Tributação, o Confaz é o orgão pelo qual deveriam passar, em tese, todas as decisões sobre concessão de benefícios tributários relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Mas como há exigência de unanimidade, e isso é muito difícil de se conseguir, a grande maioria dos Estados que concederam benefícios fiscais nos últimos anos o fez unilateralmente, sem firmar convênio no âmbito do conselho, reconhece Lina.

A secretária de Fazenda do Pará, Rute Tostes, fez um mapeamento no STF e achou mais de 20 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra incentivos semelhantes aos que foram derrubados pelo tribunal no dia 19, em decisão unânime dos ministros.

Se houver uma onda de decisões na mesma direção antes de aprovada a proposta de emenda constitucional da reforma tributária, Lina prevê que haverá muitas empresas fechando e trabalhadores perdendo o emprego. A PEC valida incentivos já em vigor, mesmo os não submetidos ao Confaz, por até 11 anos.

Por ser retroativo a 2002, o efeito do julgamento do STF fez com que, no Pará, 167 empresas passassem a dever, da noite para o dia, muito dinheiro aos cofres estaduais, por conta do ICMS que deixou de ser recolhido. A secretaria de Fazenda ainda não conseguiu levantar o valor total desse passivo, já que a lei derrubada previa quatro tipos diferentes de incentivo. Só em relação a um deles, o montante devido chega a R$ 600 milhões, informa Rute Tostes.

O problema não se resume à dívida que surgiu. Segundo a coordenadoria de comunicação social do Estado, "numa análise preliminar do governo, 50% das 167 empresas incentivadas não sobreviverão sem os benefícios fiscais". A quebradeira deverá provocar demissões em massa, "fazendo desaparecer boa parte dos 146 mil postos de trabalho gerados por esses empreendimentos".

A inconstitucionalidade da lei do Estado do Pará foi pedida pelo Ministério Público Federal, por iniciativa de parlamentares de oposição ao governador Simão Jatene (PSDB). Conforme Lina Vieira, integrantes do MP já lhe avisaram que esse foi só um começo, e que outras Adins, visando normas semelhantes de outros Estados, serão ajuizadas. Rute Tostes, do Pará, acrescenta que, das que já estão no STF, boa parte é fruto de briga entre os próprios Estados e pega benefícios pontuais.

Lina e Rute reconhecem a inconstitucionalidade apontada pelo STF, mas alegam que a concessão unilateral de incentivos foi uma necessidade de Estados mais pobres para se desenvolver. "A guerra fiscal é consequência da omissão do governo federal em relação a políticas de desenvolvimento regional", diz a coordenadora do Confaz.

Ainda tontos, os membros do conselho estudavam ontem uma saída para socorrer o Pará. Só o secretário de São Paulo, Luiz Tacca, demonstrava ter gostado da decisão do Supremo. Atualmente contrário aos incentivos unilaterais, o governo paulista é o que mais reclama da guerra fiscal, que já levou empresas a ser transferir para outros Estados. Lina Vieira lembra, por outro lado, que São Paulo já se utilizou desse tipo de instrumento no passado.

Uma saída possível para o Pará, segundo Rute, é o Confaz celebrar convênio validando os incentivos gozados pelo período em que a lei estadual vigorou. Isso resolveria o passado. Mesmo com aprovação da PEC, porém, ela não vislumbra solução que permita continuidade dos benefícios, já que o Estado do Pará ficou sem incentivos em vigor para serem validados pela reforma tributária.