Título: Para onde vão os remediados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Política, p. A6

Metade das pessoas mais pobres que já tem candidato pretende votar pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O dado, colhido da última safra das pesquisas de opinião, ratifica as percepções do sociólogo Cândido Grzybowski, que, desprovido de qualquer empirismo, não hesita em afirmar que Lula hoje tem um apoio mais arraigado na baixa renda do que quando foi eleito.

Diretor-geral do Ibase, cargo que passou a ocupar depois da morte de Herbet de Souza, o Betinho, Grzybowski é um privilegiado observador dos movimentos sociais brasileiros. Desde o início do governo Lula, coordena um mapeamento da participação popular na administração petista e dos conflitos entre os movimentos e o poder público.

Nessa condição, sempre foi um crítico da cooptação governista de lideranças do movimento social. É dele a avaliação de que os movimentos, notadamente o sindical, acabaram encurralados por um governo que patina em suas políticas sociais. Parte das lideranças acabou engrossando as fileiras oposicionistas e se dissociando de suas bases, contempladas pela expansão do Bolsa Família, pelo aumento do salário mínimo e pela maior oferta de emprego.

Com a crise política, diz Grzybowski, esse fosso agravou-se. As lideranças não se entendem entre si, principalmente na órbita do MST, mas o grande desentendimento é com suas bases. Diz que, enquanto os movimentos sociais queixam-se de que este governo não fez os avanços que esperavam, suas bases avaliam que nenhum outro governo fez tanto por eles.

Neto de poloneses radicados em Erechim, norte do Rio Grande do Sul, Grzybowski fez carreira na sociologia dos movimentos sociais, foi alvo de inquérito militar na ditadura, exilou-se e chegou à Fundação Getulio Vargas, de onde saiu para o Ibase, instituição que completa 25 anos. Acompanhou a formação do MST, cujo embrião também é do norte gaúcho, e o surgimento da liderança de Chico Mendes. É dele o primeiro livro lançado sobre o seringueiro, um mês depois de sua morte, hoje traduzido em mais de 20 línguas.

Egresso da classe média, como a maior parte das lideranças de movimentos sociais, diz que seus pares não conseguem avaliar o impacto de R$ 50 reais para quem ganha R$ 300. Resume numa frase o sentimento recolhido de sua militância social: "Todos roubam, mas este fez para nós". Mas diz que não precisa ser militante, basta andar pela praia, de manhã cedo no Rio, para ouvir as conversas de aposentados. "Não votei nesse aí mas foi ele quem nos defendeu".

-------------------------------------------------------------------------------- Renda melhora mas não indica rumo --------------------------------------------------------------------------------

Grzybowski enxerga no distanciamento entre as lideranças sociais e suas bases um fosso tão grave quanto aquele que se opera nas expectativas eleitorais do país. Identifica polarização entre aqueles que se vêem beneficiados pelo governo Lula e os que não enxergam proveito algum.

Diz que o discurso do presidente está levando esta polarização ao seu limite, mas acha que a oposição também o está empurrando nessa direção. Foi o acirramento da crise, avalia, que levou Lula a mostrar que não está sozinho. Diz que o presidente, apesar de não ter uma matriz populista, está passando por cima das próprias mediações que o elegeram.

É por este caminho, diz, que o mensalão levou a uma inaudita crise política: "Se os conflitos sociais ainda não implodiram este país foi porque tiveram o PT como mediador. O risco que se corre agora é pelo esvaziamento dessa mediação".

Este fim de semana será marcado pelas duas principais mediações do governo Lula, o PT, que realiza seu Encontro Nacional e os sindicatos, que fazem o seu 1 º de Maio. Ambos chegam ao final do governo mais dependentes da liderança do presidente do que quando o iniciaram. O PT chega às portas da campanha eleitoral sem uma liderança partidária suficientemente forte para negociar os palanques estaduais do presidente. Os sindicalistas, notadamente da CUT, reféns do espaço ocupado na gestão petista, agarram-se à tentativa de consolidá-lo com as propostas de mudança na legislação sindical a serem anunciadas pelo governo na próxima semana.

Para sair deste encurralamento, Grzybowski propõe que a mediação seja repactuada com um novo compromisso pelo desenvolvimento. O escolhido por Lula é um superávit primário alcançado às custas da velha vantagem comparativa da grande reserva de recursos minerais. Vê seu governo com a mesma retórica de grande potência dos governos militares e que contamina até a relação com os países vizinhos com o ranço de que agora é a vez do Brasil.

Grzybowski está pessimista em relação à mediação do futuro Congresso. Teme que a campanha, sendo matizada pela corrupção, eleja uma grande bancada de arrivistas, inconsistente e descompromissada com propostas para o país. Diz que a onda democratizadora, iniciada pela abertura política, já bateu no teto. E que um país de remediados não é necessariamente uma nação com rumo.