Título: A água que move famílias
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2010, Brasil, p. 11

Levantamento da Comissão Pastoral da Terra mostra que nos sete primeiros meses de 2010 já houve mais conflitos com ribeirinhos do que no mesmo período do ano passado

Em vez de regeneração ou purificação, símbolos historicamente ligados à água, no Brasil, o bem vital para a humanidade tem se tornado motivo de conflito. Levantamento divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra um aumento de 32% no número de disputas pela água em todo o país. Foram 29, de janeiro a julho de 2010, contra 22 no mesmo período do ano passado. A quantidade de famílias envolvidas nesses conflitos pulou de 20.458 para 25.255. Um dos coordenadores nacionais da CPT, Dirceu Fumagalli, atribui o aumento às grandes obras financiadas ou incentivadas pelo governo federal.

Quando o Estado quer implantar uma hidrelétrica ou uma hidrovia, não se incomoda em ocupar os locais de moradia das comunidades tradicionais. Ou financia os empreendimentos ou cria condições para eles se estabelecerem, desrespeitando quem vive naquele local e, muitas vezes, dali tira seu sustento, destaca Fumagalli. Para Francisco Lopes Viana, superintendente de outorga e fiscalização da Agência Nacional das Águas (ANA), o conflito é inerente ao desenvolvimento do país. Compreendemos que as pessoas que sempre residiram na beira do rio reclamem quando a construção de uma barragem exige a retirada deles. Mas é preciso avaliar os benefícios que isso trará, inclusive para outras populações da região que não têm acesso à água, defende Viana.

Um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens, Josivaldo Alves de Oliveira, sustenta que a maior parte dos empreendimentos não beneficia a população. É a utilização da água em prol do capital, da monocultura, da irrigação da lavoura mecanizada. Enquanto isso, na Barragem de Acauã, na Paraíba, só para citar um exemplo, há mortes entre a população retirada e nunca mais reassentada adequadamente, critica Oliveira. Os dados da CPT indicam que o Sudeste e o Nordeste apresentam o maior número de conflitos no país 11 e 9, respectivamente. Fumagalli explica que a baixa incidência de problemas no Norte deve-se ao fato de os dados ainda não terem sido recebidos integralmente. Sabemos que é uma região complicada, no final do ano teremos o balanço mais completo, afirma.

O aumento de trabalho escravo no Centro-Oeste foi um dos pontos que chamaram atenção no relatório. Confirmando uma tendência verificada em estudos anteriores, a região registrou a libertação de 526 trabalhadores em condições degradantes nos sete primeiros meses deste ano, enquanto no mesmo período do ano passado foram 259. Goiás ajudou a inflar os números, com 490 pessoas libertadas de trabalho escravo em 2010.

"Na Barragem de Acauã, na Paraíba, só para citar um exemplo, há mortes entre a população retirada e nunca mais reassentada adequadamente

Josivaldo Alves de Oliveira, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens