Título: China surpreende e eleva juros para conter superaquecimento
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Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Internacional, p. A14

Exatamente quando muitos previam um suave afrouxamento do crescimento econômico da China neste ano, os números do primeiro trimestre indicam o oposto. Impulsionada por um surto de investimento e de crédito fácil, a economia cresceu 10,2% em relação ao mesmo período no ano passado, num ritmo ainda mais acelerado do que a taxa anual de 2005, de 9,9%. Agora as autoridades do governo queixam-se de que a economia está beirando o superaquecimento. Por isso, o banco central do país elevou ontem a taxa dos juros pela primeira vez em 18 meses, em 0,27 ponto, de 5,58% para 5,85%.

Há muitos motivos para estar preocupado. O crescimento do PIB nos três primeiros meses, em relação ao mesmo período no ano passado, bateu na mais alta taxa trimestral pelo menos desde 2004 (as revisões dos dados dificultam comparações com períodos anteriores). Naquele ano, a China começou a tentar, com sucesso limitado, pisar nos freios. O investimento em ativos fixos, como estradas, fábricas e maquinário, deu um salto este ano, aumentando 27,7%. Nas regiões urbanas, subiu 32,7%, em relação ao mesmo período no ano anterior, apenas em março. O governo esperava manter o crescimento nesse tipo de investimento em 18% ao ano, numa queda em relação aos 27,2% do ano passado.

E, no mesmo primeiro trimestre, os bancos estatais chineses emprestaram praticamente o mesmo valor, US$ 157 bilhões, que o governo havia estabelecido para todo o primeiro semestre. A base monetária cresceu em 18,8%, numa alta de 4,7 pontos em relação ao mesmo período no ano passado, e superior à meta de 16% do banco central para 2006.

O superávit na balança comercial da China também continuou crescendo aceleradamente, para US$ 23,3 bilhões no primeiro trimestre, com alta de 26% nas exportações e de 24,8% nas importações. O resultado foi superior ao superávit de janeiro a março do ano passado. E não ajudará a diminuir os temores, especialmente nos EUA, de que a China estaria lucrando deslealmente com sua moeda desvalorizada. Quanto ao vigor dos números mais recentes, o superávit na balança comercial deste ano pode não ficar longe do recorde do ano passado, de US$ 101,9 bilhões.

Os líderes da China apreciam a forte expansão de setores voltados para exportação. Elas ajudam a gerar emprego num país em que a taxa de desemprego urbana é estimada em mais de 8% (é bem maior em algumas cidades), e no qual pelo menos 150 milhões de pessoas no interior do país têm pouco ou nada para fazer. Um ritmo de crescimento muito mais lento poderia representar uma ameaça à estabilidade social. O governo receia, porém, que o forte ritmo atual esteja sendo sustentado por investimentos irracionais e esbanjadores de recursos. Isso poderia enfraquecer ainda mais o peso dos créditos irrecuperáveis dos bancos estatais e poderia resultar em uma súbita e dolorosa desaceleração em meio ao enxugamento do crédito.

Então, por que está sendo tão difícil arquitetar o "pouso suave" que o governo tem tentado? A meta de crescimento do PIB para este ano é 8%. Mesmo antes de os números mais recentes serem anunciados, essa meta parecia conservadora. Muitos economistas já reviram para cima suas estimativas. A Academia de Ciências Sociais chinesa previu, no seu mais recente relatório, que o crescimento neste ano será ficará só um pouco abaixo do 9,6% do ano passado. Seu relatório trimestral passado falava que ele estaria em torno de 9%.

A política cambial da China é parte do problema. Nos meses recentes, o país transbordava em dinheiro. O superávit comercial provoca grande ingresso de moeda estrangeira, que é adquirida pelo banco central com o propósito de segurar a taxa de câmbio. Mas isso estimula a oferta dos yuans depositados nos bancos.

O banco central geralmente restringe esse crescimento da base monetária tomando emprestado grande parte dos yuan excedentes. Stephen Green, do Standard Chartered Bank diz, porém, que por alguns meses em meados de 2005 o banco afrouxou esse esforço, para compensar o impacto potencial de uma apreciação do yuan em julho. O resultado foi um forte crescimento do crédito barato. Isso inevitavelmente é má notícia para os bancos, quando alguns desses empréstimos se transformarem em créditos irrecuperáveis. No primeiro trimestre, os lucros da indústria cresceram 21,3%, porém os prejuízos cresceram 32,3%. Com o enorme excesso de oferta em algumas indústrias, e elevados aumentos nos custos das matérias-primas, muitos fabricantes estão amargando margens reduzidíssimas.

Embora os esforços para controlar a base monetária tenham sido retomados em outubro, o nível de investimento cresceu velozmente, num momento em que governos locais, indiferentes aos esforços do banco central de domar a economia, competiram para impulsionar as taxas de crescimento locais.

Esse movimento foi estimulado pelo lançamento este ano dos novos planos econômicos qüinqüenais destes governos locais, tradicionalmente uma época para começar imponentes projetos. Muitos planos qüinqüenais locais projetam taxas de crescimento de dois dígitos, apesar de o banco central visar uma taxa média modesta de 7,5% até 2010.

Poucas pessoas, contudo, esperam alguma medida drástica para frear o crescimento em reação a esses números recentes. Para ajudar a reduzir os ingressos cambiais líquidos, o governo anunciou planos no começo do mês que permitirão pela primeira vez (embora ainda sujeitos a cotas) que empresas e indivíduos chineses invistam em mercados de títulos financeiros estrangeiros. Aguarda-se que o banco central anuncie em breve medidas para reprimir a expansão do crédito através da elevação do coeficiente de depósito compulsório que precisa ser retidos com ele a título de reserva. O governo quer evitar, porém, a adoção do tipo de restrições repressivas sobre investimentos em setores específicos, às quais recorreu em 2004 e que geraram ressentimento de poderosos governos locais.

Com a aproximação de grandes eventos - um Congresso qüinqüenal do Partido Comunista, no fim do próximo ano, e os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008 - os líderes da China estão particularmente ansiosos para que a economia continue crescendo num ritmo veloz o suficiente para garantir a estabilidade. Isso pode deixá-los indecisos quanto a tomar as medidas mais rigorosas necessárias para assegurar mais crescimento regional: retirar os controles sobre preços de energia, por exemplo, e remover as restrições existentes sobre as taxas de juros bancárias.

Chang Qing, da Universidade de Agricultura da China, acredita ser pouco provável que os esforços do governo central tenham muito impacto. Ele diz que a China terá dificuldades para evitar um pouso forçado em da economia nos próximos dois anos. As autoridades do governo, porém, insistem em repetir que a economia não está se superaquecendo - ainda.