Título: Educação de qualidade é um pacto com o futuro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Opinião, p. A16
Na última década, houve uma convergência do país para a urgência de um ataque frontal à miséria e à fome. Nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995/2001), essa preocupação mobilizou a sociedade civil em programas que tiveram o apoio do governo ou foram coordenados por ele. O Estado desempenhou o papel de incentivar iniciativas ou expandi-las por meio de uma estrutura leve, ligada à administração pública, mas mais ágil do que a burocracia estatal - o Comunidade Solidária. O governo Lula assumiu uma política social agressiva de complementação de renda, o Fome Zero, que atinge hoje a grande maioria das famílias em estado de pobreza absoluta.
Os últimos governos tiveram o mérito de pôr em andamento políticas que atendessem essa ansiedade do país, mas essa ofensiva inédita contra a fome refletiu sobretudo um consenso da sociedade. Em um determinado momento, os brasileiros, independente de raça, credo, cor ou opção partidária chegaram ao entendimento de que era intolerável conviver com um tamanho grau de miséria. Já é possível detectar o resultado desses esforços nas estatísticas.
Para sair da política emergencial de combate à fome - que consiste numa postura de intolerância com a situação-limite de uma pessoa morrer por falta de comida - é preciso que a sociedade se mobilize em um novo consenso. Aliás, pelas manifestações vindas dos mais diferentes setores - empresariais, de trabalhadores, intelectuais e principalmente dos brasileiros mais pobres - já se consolida esse consenso: a política educacional deve assumir a agressividade dos programas de compensação de renda, até porque somente ela se constitui numa porta de saída para as famílias que hoje vivem de mesada do governo. E a educação de qualidade em todos os níveis é a base fundamental para o crescimento sustentável do país.
A educação é o principal mecanismo de redução da desigualdade social. Segundo Marcelo Côrtes Neri, chefe do Centro de Estudos de Políticas Sociais da FGV, o Brasil é o país da América Latina com maior diferencial de renda entre os que têm curso universitário e os que não têm. Estudos feitos por Ricardo Paes de Barros, do Ipea, mostram que a desigualdade de níveis de escolaridade representa a principal fonte de desigualdade social do país. A eliminação dessa heterogeneidade educacional seria capaz de reduzir a desigualdade social em 40%. Segundo dados do MEC, o Brasil hoje tem 16 milhões de analfabetos e 70 milhões não terminaram o 1º grau; dos 2,8 milhões que conseguiram terminar a oitava série, só a parcela de 1,88 milhão chegou ao fim do 2º segundo grau.
O governo FHC andou muito em direção à universalização do ensino básico, mas existe uma oferta insuficiente de escola pública para os alunos que, saídos do ensino fundamental, querem ingressar no curso médio. Isso pode ser atenuado com o Fundeb do governo Lula, mas ainda assim fica em suspenso a discussão da qualidade do ensino público - e a má qualidade da educação a que a população pobre tem acesso é, sem dúvida, um obstáculo importante à ascensão social. O Brasil tem indicadores de qualidade de ensino público, na América do Sul, piores que os da Argentina, Uruguai e Chile.
A Coréia investiu pesadamente em educação nos anos 60 e 70, abrindo espaço para o crescimento econômico. O Brasil apenas nos anos 70 - mais especificamente, em 1975 - conseguiu alcançar o índice de escolaridade média de oito anos de estudo. Após a Constituição de 1988, que definiu parâmetros mínimos de investimento na área, o país passou por sucessivas crises econômicas, mas não se pode jogar apenas nelas a responsabilidade pelo descaso com a educação. Na verdade, os sucessivos governos não conseguiram formular uma política que tivesse continuidade no tempo e efetividade. Com um brutal atraso, o país tem que assumir essa prioridade.
Os candidatos a presidente, que sempre empenham esforços e discursos para se promoverem e aos seus feitos, apresentariam ao eleitorado visão de futuro e desprendimento se pactuassem em torno de um programa educacional agressivo e consistente, capaz de tirar o país da ignorância e sustentar um crescimento estável.