Título: Necessidade de uma reforma na educação
Autor: Sergio Ferreira e Fernando Veloso
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Opinião, p. A16
Em termos sociais, duas características distinguem o Brasil no contexto internacional: a elevada desigualdade de renda e a baixa escolaridade média da força de trabalho, mesmo em comparação a países em estágio de desenvolvimento semelhante ao nosso. Não são traços novos da nossa realidade, tendo estado evidentes tanto no período de forte crescimento que o país viveu entre 1950 e 1980 como nas décadas de lenta expansão da renda per capita que se seguiram. De fato, uma diferença notável entre o Brasil e outros países que já passaram por períodos de alto crescimento, como os Estados Unidos e a Coréia do Sul, é que esses investiram pesadamente em educação, por meio de políticas educacionais fundamentadas no objetivo de garantir oportunidades iguais a todas as crianças e jovens.
Nesse sentido, em um capítulo publicado em livro lançado recentemente ("Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento"), apresentamos uma análise da atual política educacional no Brasil e propomos reformas que a tornem mais eficiente como alavanca do crescimento econômico e da redução da desigualdade de renda e de oportunidades.
Em geral, os sistemas educacionais têm dois objetivos primordiais: promover a eqüidade, no sentido de dar oportunidades iguais a todos, e fazê-lo da forma mais eficiente possível, ou seja, de forma a maximizar a relação benefício-custo dos projetos educacionais. As políticas educacionais no Brasil têm falhado de forma contundente nos dois aspectos. Em poucas palavras, o sistema educacional do Brasil é uma máquina de reprodução de desigualdades que opera com elevado grau de desperdício.
Começando pela questão da desigualdade, diversos estudos mostraram que a educação é responsável por algo em torno de 40% a 50% da desigualdade salarial no Brasil. Isso decorre de dois fatores. Primeiro, o Brasil tem uma das maiores desigualdades educacionais do mundo. Segundo, a taxa de retorno à educação no Brasil, ou seja, o aumento de salário resultante de um ano adicional de estudo, é a nona maior do mundo em uma amostra de 71 países. A combinação dos dois fatores faz com que a educação tenha um impacto particularmente forte na desigualdade brasileira.
Um fato menos observado é que a desigualdade de renda no Brasil não somente é alta, mas também tem sido muito persistente ao longo das últimas décadas. Uma causa importante disso é a baixa mobilidade educacional verificada no país. Enquanto a chance de um filho de pai analfabeto também ser analfabeto é de 32%, essa probabilidade cai para 0,2% se o pai tiver completado o ensino superior. Por outro lado, alguém cujo pai seja analfabeto tem apenas 0,6% de chance de completar o ensino superior, contra uma probabilidade de 60% caso o pai tenha ensino superior completo. Esses níveis de mobilidade educacional são baixos mesmo em relação a países de renda per capita similar ao Brasil, como México e Peru.
A política educacional no Brasil atua no sentido de agravar as desigualdades já existentes. Enquanto o gasto público por aluno no Brasil é de cerca de 11% da renda per capita nos níveis de ensino fundamental e médio, a Coréia gasta 16,4% e 23%, respectivamente, com esses níveis de ensino. Por outro lado, enquanto o Brasil gasta 50,7% da renda per capita por aluno no ensino superior público, a Coréia gasta apenas 5%, sendo a maior parte do gasto coberta pela rede privada. Mesmo em países que têm um gasto público por aluno maior no ensino superior que no ensino básico, a razão entre os gastos no ensino superior e no nível básico em geral é bem menor que no Brasil.
-------------------------------------------------------------------------------- Estudos mostram que a educação é responsável no país por algo em torno de 40% a 50% da disparidade salarial --------------------------------------------------------------------------------
Portanto, o foco do gasto educacional público no Brasil tem sido no sentido de priorizar o ensino superior em detrimento do ensino básico. Na medida em que os alunos que se beneficiam do gasto público no ensino superior são provenientes de famílias relativamente mais abastadas, o gasto educacional no Brasil acaba atuando no sentido de perpetuar a desigualdade social, contribuindo de forma decisiva para a elevada desigualdade e baixa mobilidade discutidas acima.
Em relação ao segundo aspecto da política educacional, existem diversas evidências que comprovam a ineficiência dos gastos educacionais do Brasil. Por exemplo, países com nível de renda per capita similar à do Brasil têm em média um ano a mais de escolaridade. Para se ter uma idéia de magnitude, um ano de escolaridade corresponde ao aumento da escolaridade média no Brasil durante a década de 90, quando houve uma expressiva expansão educacional.
O Brasil também tem uma fração menor da população com escolaridade de nível médio em relação a outros países em desenvolvimento. Por exemplo, no Chile e Argentina a fração da população com 15 anos ou mais de idade com ensino médio completo ou incompleto é de 34% e 31%, respectivamente, enquanto no Brasil é de apenas 14%. Se utilizarmos outro indicador, como a taxa de matrícula, o Brasil também fica mal na foto. Por exemplo, no Brasil pouco mais de 40% dos alunos com idade entre 15 e 17 anos encontram-se matriculados no ensino médio. Isso corresponde ao nível da taxa de matrícula no ensino médio da Coréia no início da década de 70 e dos Estados Unidos na década de 20 do século passado.
Em relação à qualidade de ensino, o Brasil também tem uma performance pior que outros países em desenvolvimento. Desde 2000, o Brasil tem participado do projeto Pisa (Programme for International Student Assessment), que a cada três anos avalia o conhecimento de matemática, leitura e ciências de alunos de 15 anos de idade. A prova de 2003 foi aplicada em 41 países, em sua maioria países desenvolvidos, mas que incluiu também países em desenvolvimento, como México, Tunísia, Indonésia e Tailândia. Nesse ano, o Brasil ficou em último lugar em matemática, penúltimo em ciências e superou apenas três países em leitura.
Em princípio, a baixa performance do sistema educacional brasileiro poderia ser decorrente de um baixo gasto em educação. Segundo dados da Unesco, o gasto em educação no Brasil é de 4,2% do PIB. Esse gasto é menor que o da Argentina (4,8%) e México (5,2%), mas é igual ao da Coréia e maior que o do Japão (3,6%). O fato de que, a despeito de um gasto em educação semelhante ao desses países, o Brasil tem resultados pífios tanto em termos de quantidade como qualidade da educação, indica uma grande ineficiência no modelo educacional brasileiro.
Em resumo, o atual modelo educacional no Brasil é muito ineficiente e fortemente concentrador de renda. Tanto por razões de eqüidade como de eficiência, é necessária uma mudança desse modelo, concentrando esforços na elevação da qualidade do ensino básico e na universalização do ensino médio.