Título: A governança não tem preço
Autor: Adriana Cotias
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2006, Eu &, p. D1

O investidor ainda resiste a dar o devido prêmio para as ações de empresas que adotam as melhores práticas de governança e respeito ao direito dos minoritários no Brasil. Apesar de o Índice de Governança Corporativa (IGC) acumular valorização superior à do Ibovespa - em boa parte devido à forte presença dos bancos, que subiram bastante nos últimos anos -, estudo da Merrill Lynch mostra que o múltiplo conhecido como Preço/Lucro (P/L) - a relação entre a cotação e o lucro por ação e que dá uma idéia do prazo de retorno de um investimento - do IGC e do Ibovespa está muito próximo. Para 2007, estão projetados em 8 e 7,5 anos, respectivamente.

Segundo Pedro Martins, estrategista para América Latina da corretora americana, isso quer dizer que as ações listadas no IGC apresentam forte crescimento de resultados e que tal desempenho vem sendo acompanhado de perto pela valorização dos papéis.

Desde que foi criado, em setembro de 2001, o IGC acumula ganhos superiores a 370%, ante 215% do Ibovespa. Em 12 meses, a alta chega a 75%, em comparação aos 60% da principal referência do mercado acionário brasileiro. Apesar disso, o P/L, uma das métricas de avaliação de retorno mais usadas, mantém-se intacto.

"Maior 'free float' (capital em circulação no mercado), oferecer 'tag along' (o prêmio de controle) aos preferencialistas ou só ter ações ordinárias deveriam justificar a existência de prêmios", diz Martins. "Vivenciamos eventos corporativos que lembram o investidor da importância de pagar por governança", acrescenta, referindo-se à fusão da AmBev com a belga Interbrew e, mais recentemente, à reestruturação da Telemar.

Considerando-se que há nas empresas comprometidas com regras de governança ganhos ainda não reconhecidos, Martins sugere duas estratégias. A primeira consiste em combinar posições "long/short" (compradas e vendidas, apostando na alta e na baixa, respectivamente). A arbitragem se dá com a compra de uma cesta de papéis do IGC, mas que estão fora do Ibovespa, e ao mesmo tempo vender ações que estão no Ibovespa e não no IGC.

Na composição do portfólio entrariam, por exemplo, Bradesco ON, Cosan ON, Tractebel ON, TAM PN e Gol PN. Na posição inversa (vendida), estariam grifes como Petrobras PN e ON, Usiminas PNA e CSN ON.

Mas se no conjunto de ações do IGC ainda não é visível a valorização da governança pura, não é de hoje que o mercado começa a separar o joio do trigo. Levantamento feito com cerca de 200 empresas de capital aberto entre 1994 e 2004 pelo Instituto Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que a cada avanço nesse quesito, as ações apresentaram uma valorização média de 16,5% na bolsa.

É por isso que o professor André Carvalhal, um dos pesquisadores do Coppead, não vê mais espaço para ofertas públicas que não mirem o Novo Mercado ou, pelo menos, os níveis 1 e 2 de governança da Bovespa. "É um caminho sem volta", diz. Do volume de mais de R$ 10,5 bilhões em operações neste ano, quase 60% foram exclusivamente de ações ON. "Se a maioria das empresas estreantes na bolsa não aderisse a segmentos diferenciados, elas não teriam obtido prêmios tão altos nos lançamentos."

A Totvs, por exemplo, tinha um P/L estimado em mais de 130 anos na ocasião da oferta, em março e levantou R$ 460 milhões. No fim do ano passado, a Cosan captou mais de R$ 880 milhões e o valor por ação saiu a R$ 48, acima do intervalo sugerido pelos coordenadores. Para Carvalhal, com o passar do tempo, tais prêmios tendem a nivelar por cima as ações que integram o IGC, fazendo com que o P/L reflita o ingresso das estreantes.

No caso de empresas que não conferem o prêmio de controle aos preferencialistas, o "tag along", o ágio entre ON e PN já é bem perceptível. Principalmente naquelas que podem ser alvo de fusões e aquisições. Pensando nisso, Martins, da Merrill Lynch, fez uma lista com 13 ações ON que negociam mais de R$ 500 mil por dia: Unibanco, Telemar, Telemig Celular, Brasil Telecom, Contax, Telesp Celular, Usiminas, Vale do Rio Doce, Tele Celular Sul, Petrobras, AES Tietê, Cesp e Telesp. Para ele, privilegiar a compra de ações ON num cenário de farta liquidez é uma boa estratégia de proteção.