Título: Bolsa fraca, dividendo forte
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2011, Investimentos, p. D1

O investidor pode tirar proveito da irracionalidade dos mercados vista neste mês: vários papéis ficaram para lá de atrativos em termos de retorno com dividendos, a parcela de lucro distribuída aos acionistas pelas empresas. Aplicar nessas ações se mostra uma forma mais segura de investir em bolsa, já que, se o papel não subir, o investidor terá pelo menos um ganho com os dividendos distribuídos, e que são isentos de imposto de renda.

Levantamento da Ágora Corretora mostra que, num universo de 101 papéis, há pelo menos 23 ações com estimativas de retorno somente com dividendos ("dividend yield") superiores a 6% ao ano, ou seja, com ganhos maiores que os juros da caderneta de poupança. O relatório foi divulgado ontem e, portanto, leva em conta a recuperação de parte das perdas observada na terça-feira.

Interessante notar que, entre a boas pagadoras - ao lado das tradicionais elétricas e teles e alguns bancos - figuram os papéis da Vale. As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) classe A da mineradora têm "dividend yield" estimado em 8,3%. Já os papéis ordinários (ON, com voto) têm um retorno estimado com dividendos de 7,6% neste ano.No estudo da Ágora, chama a atenção também o número de empresas com recomendação de compra. Das 101 companhias analisadas, 56 delas, ou seja, mais da metade, aparecem no rol.

O caminho até os ganhos não será, porém, tranquilo. Ainda há pouca visibilidade em relação ao cenário internacional e seus reflexos para o Brasil e o mercado deve continuar muito nervoso, avalia Mônica Araújo, estrategista-chefe da Ativa Corretora. A instabilidade deve continuar até que se tenha mais sensibilidade sobre como ficarão as emissões de dívida no mercado mundial e, por aqui, do crescimento potencial da economia para os próximos 12 meses, avalia ela.

Diante desse cenário, a Ativa tem recomendado aos clientes uma carteira mais defensiva, composta por papéis das áreas de saneamento, telefonia, energia e concessões rodoviárias. Entre as sugestões aparecem as elétricas AES Tietê, Transmissão Paulista e Copel, além de Telesp, em telefonia, e Cielo, empresa de captura de cartões. "Essas companhias costumam ter "dividend yield" alto e normalmente perdem menos quando o Ibovespa cai", afirma Mônica.

A estratégia de aplicar em empresas boas pagadoras de dividendos é interessante, mas o investidor precisa ter em mente que ele não deve mexer no portfólio por um bom tempo, pelo menos cinco anos, alerta Pedro Galdi, estrategista da SLW Corretora. Isso porque corre o risco de comprar um papel de olho nos dividendos que a empresa pode já ter pago pois cada uma adota uma periodicidade.

Quem comprou ações do setor elétrico e de telefonia no início do ano, por exemplo, está ganhando dinheiro. Das 11 ações que fazem parte o Ibovespa e ainda estão com desempenho positivo no ano, 5 são do setor de energia e 2 são de telecom. "Mas boa parte delas já pagou dividendos e também subiu bastante", lembra Galdi.

Na visão do estrategista da SLW, quem mantém ações em carteira e não precisará do dinheiro no curto prazo deve se acalmar e, se possível, até comprar um pouco mais, visto que muitos papéis estão bem atrativos. Já aqueles que sabem que vão precisar do dinheiro em breve devem reavaliar se não vale a pena sair de bolsa, já que existe, sim, o risco de maiores perdas. "Talvez seja interessante tirar uma parcela para tentar recuperar parte das perdas com o investimento em renda fixa", diz. Para os investidores que não estão em bolsa e têm perfil para renda variável, o momento é excelente para comprar papéis bem depreciados, afirma. "Mas quem não tem estômago tem mesmo é que ficar na renda fixa."

Mesmo com a alta registrada pelas empresas boas pagadoras de dividendos no ano, esses papéis continuam interessantes, avalia Fabio Anderaos, gestor de recursos. "O cenário continua muito indefinido e acredito que os Estados Unidos vão entrar em recessão, portanto, aplicar em ações do setor elétrico, que são mais defensivas, se mantém interessante", afirma. Ele recomenda que o investidor aplique uma parcela em ações e outra em renda fixa, já que a taxa básica de juros está em níveis altíssimos.

Embora esteja ligada ao setor de commodities, as ações da Vale também ganharam, de certa forma, um viés defensivo dado o alto "dividend yield". Apesar dos temores em relação a uma desaceleração da economia global, que traria um impacto negativo para a demanda de commodities, a Octo Investimentos continua com recomendação de compra para as ações da Vale, com a perspectiva de crescimento de 50% do lucro neste ano. "Com a queda das ações e aumento do lucro, esperamos uma ampliação do retorno com dividendos de 2,5% a 3,5%, para algo próximo de 7%", afirma o analista Fernando Góes.

A perspectiva de um aumento do "dividend yield" da Vale levou a Citi Corretora a incluir o papel em sua carteira de dividendos. Hoje, o conselho de administração da mineradora vota a proposta de distribuição de US$ 3 bilhões em dividendos extras. É um adicional expressivo em relação aos US$ 4 bilhões proposto em janeiro deste ano, e será válido para os acionistas que detiverem o papel até 12 de agosto. "Esperamos um retorno de dividendos entre 5% e 8% para a Vale nos próximos 12 meses", afirma Fernando Siqueira, economista-chefe da Citi.

Na carteira principal, a corretora americana tem focado em papéis mais defensivos como TIM e AmBev, além das ações do setor de energia. "Reduzimos a nossa posição em Vale e aumentamos em AmBev, que tem forte geração de caixa, e deve apresentar um aumento na distribuição de dividendos, que deve somar R$ 12 bilhões em 2013, ante R$ 5 bilhões pagos em 2010", diz Hugo Rosa, analista da corretora.