Título: A Constituição Federal e o Exame de Ordem
Autor: Pinheiro, Vinícius
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2011, Finanças, p. C12

Os títulos americanos devem permanecer como principal destino dos investidores em tempos de aversão a risco e "fuga para a qualidade", apesar da decisão da agência de classificação de risco Standard & Poor"s de rebaixar a nota de crédito dos Estados Unidos. A avaliação é de Robert Slaymaker, presidente do conselho de administração da BondDesk - plataforma de negociação de títulos de renda fixa. "O mercado americano de treasuries é um dos maiores e mais líquidos do mundo, e continuará a ser independentemente de o rating dos EUA ser "AAA" ou "AA+", afirmou Slaymaker, em entrevista ao Valor.Para o especialista, o mercado de renda fixa acabou se antecipando ao movimento da S&P. Com os problemas na Europa e o risco de recessão nos EUA, os investidores acabam se voltando para os treasuries, em um movimento inverso ao que se poderia esperar após o rebaixamento do rating. Slaymaker, que também é conselheiro da Cetip, avalia que a grande proporção de títulos pós-fixados acaba dificultando o desenvolvimento de um mercado de renda fixa no Brasil nos moldes do americano. Ele acredita, porém, que o país está avançando mais rapidamente do que o próprio mercado avalia. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Por que o mercado de bônus não reagiu à decisão da Standard & Poor"s de reduzir a classificação de risco dos Estados Unidos?

Robert Slaymaker: Eu não acredito que a decisão tenha sido uma grande surpresa. O mercado de renda fixa nos Estados Unidos acabou se antecipando ao movimento da S&P.

Valor: De que maneira? Os impactos não deveriam ter sido maiores, já que o rebaixamento afeta diretamente os treasuries?

Slaymaker: Era de se esperar que os retornos (yields) dos treasuries reagissem negativamente, mas ao mesmo tempo existem os problemas fiscais na Europa, além da ameaça de recessão nos Estados Unidos, que acabou sendo precificada nos mercados de ações na segunda-feira. Diante de todas essas incertezas, existe um movimento de fuga para a qualidade. E os treasuries ainda são um dos ativos mais seguros do mercado.

Valor: Mas a mensagem da S&P, ao rebaixar o rating, não é justamente a de que os títulos americanos já não são tão seguros assim?

Slaymaker: Eu realmente não sei dizer qual é a mensagem da S&P, mas a interpretação do mercado foi a de que a agência não tem confiança de que os EUA têm um plano sólido para sair dessa crise fiscal ou resolver o problema da dívida no longo prazo.

Valor: Diante da reação do mercado de renda fixa, é possível dizer que os investidores passaram a dar menos atenção à avaliação das agências de risco?

Slaymaker: De modo algum. Acho que o mercado de renda fixa já havia precificado o movimento da S&P. O fato é que as pessoas estão mais preocupadas com uma potencial recessão da economia americana do que com o rebaixamento do rating dos EUA. A decisão da agência acabou mandando um recado para o Congresso de que é preciso completar as negociações em torno de um plano para combater o déficit. Então, não creio que o rebaixamento tenha sido necessariamente algo ruim.

Valor: Então o senhor concorda com a declaração do presidente Barack Obama de que os Estados Unidos ainda são um país "AAA"?

Slaymaker: O mercado americano de treasuries é um dos maiores e mais líquidos do mundo, e continuará a ser independentemente de o rating dos Estados Unidos ser "AAA" ou "AA+". Acredito que o presidente Obama quis dizer que nós temos um bom histórico e vamos lidar com nossos problemas. Acho que essa foi a mensagem, mas não posso falar por ele...

Valor: De um modo geral, como o senhor avalia a reação à crise nos mercados de renda fixa e quais são os riscos?

Slaymaker: Como os retornos dos títulos do governo não subiram mesmo após a decisão da S&P, nada mudou por enquanto. A preocupação é que, se isso ocorrer, as taxas de hipotecas e títulos municipais também subirão, porque esses papéis são negociados com um spread em relação aos treasuries.

Valor: Esse quadro pode mudar em algum momento?

Slaymaker: Tudo dependerá de como a economia dos Estados Unidos reagirá e se estamos mesmo caminhando ou não para uma recessão.

Valor: Qual a sua avaliação sobre o mercado brasileiro? O que o país precisa para desenvolver um mercado de renda fixa tão sofisticado quanto o americano?

Slaymaker: Precisa de tempo. O mercado americano é muito grande e líquido, mas o Brasil está se desenvolvendo rapidamente. Acredito que o país está no caminho certo. Em termos de títulos públicos, a diferença entre os dois mercados hoje está principalmente na característica dos papéis. Enquanto no Brasil grande parte dos títulos é pós-fixada, nos EUA a dívida é preponderantemente prefixada, que permite a formação de uma curva de juros de longo prazo. Sem uma curva, não há incentivos para negociações de forma mais agressiva no mercado secundário, o que impede um aumento na liquidez e uma melhor formação de preços. Outra diferença relevante entre o mercado brasileiro e o americano é que nos EUA as pessoas físicas compram títulos de renda fixa diretamente.

Valor: Aqui existe o Tesouro Direto...

Slaymaker: Sim, mas nos EUA isso ocorre de maneira muito mais ampla. Os investidores compram não apenas títulos públicos como papéis de empresas e lastreados em hipotecas de seus corretores e formam uma carteira de bônus. No Brasil, isso ocorre apenas por meio de fundos.

Valor: Mas como incentivar a formação de um mercado secundário de renda fixa mais ativo?

Slaymaker: Algo que tentamos desenvolver aqui na Cetip é uma plataforma de negociação eletrônica, expandindo a Cetipnet para permitir operações com títulos públicos e privados. Nos EUA, existem grandes plataformas desse tipo. No Brasil, a maioria das transações ainda acontece pelo telefone.

Valor: E as altas taxas de juros no Brasil, não atrapalham?

Slaymaker: De fato, custa muito caro tomar dívida no Brasil, portanto, a resposta é sim. A estrutura da dívida, formada por papéis pós-fixados, aumenta mais os custos, o que nos leva ao meu ponto original. Mas esse é um processo evolutivo. E o Brasil está evoluindo de forma muito mais rápida do que os Estados Unidos evoluíram.

Valor: No mercado, a impressão muitas vezes é a oposta...

Slaymaker: Pode ser que a essa evolução aconteça de forma lenta, mas ainda assim ocorre mais rápido do que o mercado pensa.

Valor: E em quais áreas?