Título: Inflação ameaça velocidade da locomotiva chinesa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2011, Opinião, p. A14

Nos últimos dias, enquanto os Estados Unidos e as principais economias da zona do euro parecem desmilinguir-se, as atenções voltaram-se para a China. Será que o gigante asiático poderá levar o planeta a reboque, como fez em 2008, neste momento em que as economias avançadas caminham novamente para uma desaceleração, sobrecarregadas por dívidas?

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI) a resposta é sim. A mais recente avaliação da China feita pelo Fundo é altamente positiva. Divulgado em julho, o relatório afirma que "a economia chinesa continua em um caminho sólido, impulsionada por uma demanda vigorosa, doméstica e externa. O aumento dos salários e do emprego alimentam o consumo; a expansão da infraestrutura e da construção civil aumentam o investimento; e as exportações líquidas estão contribuindo positivamente para o crescimento".

O Fundo elogia a política econômica traçada pelo 12º Plano Quinquenal, que adotou um modelo de crescimento baseado no consumo doméstico, estimulado pelo aumento dos salários e pela criação de uma rede de segurança social, e no investimento em infraestrutura e construção civil; e que, além disso, abriu espaço para a apreciação do yuan.

Nem tudo é róseo no cenário chinês, porém. O aumento da inflação é um dos problemas mais sérios. Pequim acaba de divulgar que a inflação, medida pelo índice de preços ao consumidor, acelerou em julho para 6,5% no acumulado em 12 meses, o maior nível em três anos, vindo de 6,4% em junho. Os números estão bem longe dos 4% pretendidos pelo governo para o ano. O mais preocupante é o fato de o índice estar sendo claramente puxado pelos alimentos, que aumentaram 14,8% em julho em comparação com igual mês do ano anterior, por causa do impacto social. Apenas a carne de porco, importante item da alimentação dos chineses, subiu quase 57%. Excluindo os alimentos, a alta da inflação ficou em 2,9%. Há analistas que acreditam que a inflação chinesa atingiu o pico e que o movimento agora é de recuo.

A inflação elevada neutraliza, na prática, qualquer aparente boa vontade da China em deixar de manipular a política cambial. Oficialmente, a China passou de um sistema de câmbio atrelado ao dólar para a flutuação administrada em relação a uma cesta de moedas em 2005. Para calibrar a taxa, o banco central chinês compra dezenas de bilhões de dólares mensalmente, o que levou as reservas do país a mais de US$ 3 trilhões. No último ano, o yuan se valorizou 5,5% em relação ao dólar. Mas, em termos reais, nada mudou e o câmbio continua sendo poderosa arma de competição chinesa no mercado internacional.

Para tentar conter a inflação, o governo chinês adotou uma política monetária restritiva. Desde o início do ano, o banco central chinês elevou os juros básicos três vezes até o patamar atual de 6,56%, e aumentou o recolhimento compulsório dos bancos seis vezes, para 21,5% dos depósitos totais.

Essas medidas alimentaram o temor de uma aterrissagem brusca da economia chinesa. No primeiro semestre, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu 9,6%. A taxa é inferior aos 10,3% de 2010 mas é exatamente o número esperado para o país neste ano pelo FMI, que projeta 9,5% para o próximo. O crescimento vem desacelerando desde os 9,8% do quarto trimestre de 2010, para 9,7% no primeiro trimestre deste ano e 9,5% no segundo trimestre. Segundo o governo chinês, a economia está em transição de um "crescimento rápido estimulado pela política antiga para um crescimento autônomo e ordenado", mais baseado no consumo doméstico.

Depois de exibir taxas crescimento exuberantes, acima de 10%, antes da crise internacional, como os 14,2% de 2007, a China desacelerou significativamente e chegou a crescer 9,2% em 2009. O ritmo deste ano está acima disso, mas ainda há dúvidas sobre o comportamento da economia nos próximos meses, depois do agravamento da crise nos países avançados. Os números de julho, que ainda não refletem os últimos acontecimentos, mostram surpresas negativas. A indústria cresceu 14% em comparação com o mesmo mês do ano passado, inferior aos 14,6% esperados. As vendas no varejo arrefeceram um pouco, com crescimento de 17,2% sobre igual mês de 2010, abaixo dos 17,7% de junho. Já os investimentos seguiram firmes, acumulando crescimento de 25,4% no ano. Ainda assim os números são vistosos.

Se a inflação realmente ceder a partir de agora, a China deverá afrouxar a política monetária, abrindo espaço para a expansão da economia, que todo o resto do mundo espera.