Título: Reflexões sobre a patente pipeline
Autor: Natalie Geller
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2006, Legislação & Tributos, p. E2

O recente episódio do pedido na Justiça de nulidade da patente do Viagra, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), trouxe ao debate a questão subjacente ao assunto, ou seja, a patente "pipeline". No Brasil, até 14 de maio de 1997, os princípios ativos de um produto encontravam-se em domínio público, uma vez que não eram patenteáveis as invenções relacionadas com medicamentos e as relativas a fármacos (produtos químicos). Dessa forma, a criação da Lei nº 9.279, de 1996 - a Lei da Propriedade Industrial - possibilitou a proteção da patente, assegurando o direito do autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade a obter uma patente que lhe garantisse a propriedade para tal invenção.

Os pedidos de patentes depositados no período de transição, ou seja, entre a publicação e a entrada em vigor da Lei nº 9.279 (de 14 de maio de 1996 à 14 de maio de 1997) foram denominados de pipeline, sendo caracterizadas por apresentarem "11" no local dos dois dígitos referentes ao ano de depósito. Neste período, segundo uma pesquisa realizada pela Dialog/Derwent, foram depositados 1.087 pedidos de patentes farmacêuticas, ou seja, inúmeras empresas, em menos de um ano, conseguiram a concessão da patente de seus medicamentos, incluindo, dentre elas, o laboratório Pfizer, detentor do direito exclusivo ao medicamento Viagra.

É importante salientar, que a patente pipeline nasceu através do acordo TRIPS ("Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights") e de uma reivindicação da indústria estrangeira de possuir o direito de revalidar no Brasil as patentes que já haviam sido pedidas ou concedidas em outros países. Na época, uma das concessões feitas pelo Brasil era a de que a invenção ainda não tivesse sido colocada no mercado, seja diretamente por seu titular ou por terceiro, mesmo com seu consentimento. Não obstante, era necessário ainda o pagamento de uma taxa no valor de R$ 10 mil. Além disso, não poderiam ter sido realizadas no Brasil, por terceiros, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. O intuito desses pressupostos era impedir que as patentes pipeline possuíssem efeitos retroativos, o que prejudicaria laboratórios locais que estivessem explorando invenções patenteadas no exterior no mesmo ramo industrial.

-------------------------------------------------------------------------------- A nulidade da patente do Viagra já foi pedida por outros países. Apenas Equador, Peru e China conseguiram sua nulidade --------------------------------------------------------------------------------

A validade e o prazo de validade dessas patentes é um outro ponto que provoca distintas interpretações no meio jurídico e farmacêutico. Nesse contexto, segundo o artigo 230 da Lei nº 9.279, fica assegurado à patente concedida o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no artigo 40 da mesma lei, que é de 20 anos. De fato, isso possibilitou a obtenção de patentes retroativas, ou seja, a concessão de patentes farmacêuticas na vigência da Lei nº 5.772, de 1971, que excluía de proteção patentária essa matéria. Além disso, ao se falar em prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, a lei já pressupõe a existência de uma patente no exterior. Com efeito, pelo fato das patentes oriundas da pipeline possuírem prazos de validade muitas vezes exíguos, o mercado brasileiro tornou-se, para muitos, promissor para o desenvolvimento de produtos genéricos.

Contudo, dentro do setor farmacêutico, não só a Pfizer enfrenta uma briga judicial frente à interface do regime de patentes pipeline. Recentemente, as patentes da vacina contra a Hepatite B e outras doenças, como coqueluche, tétano e difteria, foram suspensas, o que levou o laboratório Chiron a mais uma conquista, uma vez que já havia conseguido anteriormente a nulidade da patente da vacina na Europa. Apesar do acordo feito entre a Bayer e a Pfizer, o INPI, autarquia federal responsável pela concessão de direito à exploração exclusiva do objeto da patente, pretende ir em frente na luta pela nulidade da patente do Viagra. Segundo o instituto, além da Suprema Corte da Grã-Bretanha ter decidido pela invalidez da exclusividade do princípio ativo do medicamento (o citrato de sildenofil), o que já levaria automaticamente à nulidade da patente no Brasil, ela consistiria em um abuso e extrapolação do mecanismo da pipeline. Cumpre destacar, no entanto, que a nulidade da patente do Viagra já foi pedida por outros países e, dentre eles, conseguiram sua nulidade apenas Equador e Peru em 2002 e China no ano de 2004.

Tudo indica que a briga judicial perpetuará. A repercussão do caso, contudo, nos faz refletir a respeito da patente pipeline, sendo esta sinônimo de estímulo para aqueles que investem em pesquisa e desenvolvimento de alto risco. Apenas com uma qualidade na educação de uma cultura patentária e, indubitavelmente, na importância de incentivar e garantir a proteção da propriedade intelectual, conduziremos o Brasil ao desenvolvimento econômico sustentável, ao bem-estar social da população e ao engrandecimento do país em seu espectro industrial, comercial e moral.