Título: BC mantém juros, mas dúvidas persistem
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2010, Economia, p. 16

Depois de elevar a taxa Selic de 8,75% para 10,75%, Copom opta pela estabilidade. A alegação é de que a inflação está sob controle. Analistas veem alta em 2011

Como esperado pelo mercado financeiro, a um mês das eleições presidenciais, a taxa básica de juros (Selic) parou de subir. A justificativa do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) para manter o indicador em 10,75% ao ano foi a de que os riscos de inflação observados, sobretudo, até abril, diminuíram bastante. Na avaliação do BC, mesmo que os índices de preços não repitam o que se observou nos últimos três meses taxas zeradas , o entendimento é de que o atual nível da Selic será suficiente para levar a inflação ao centro da meta definida pelo governo, de 4,5%. A expectativa entre os especialistas é de que os juros se mantenham inalterados até o fim do ano, mas podem subir ao longo de 2011, com o país sob novo comando. O presidente Lula comemorou a decisão e ressaltou o bom trabalho no BC.

A estabilidade da Selic foi tomada por unanimidade, reflexo do trabalho feito nos bastidores pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, de manter a instituição unida em um momento de grande questionamento do mercado quanto à capacidade de seus diretores de avaliação do cenário macroeconômico. Em julho, quando o Comitê reduziu de 0,75 para 0,5 ponto percentual o ritmo de aumento da Selic, vários analistas viram na decisão um viés político, devido à proximidade das eleições. Mas tanto os índices de inflação quanto o fraco nível de atividade mostraram que o BC estava correto no seu diagnóstico.

No comunicado pós-reunião, o Copom admitiu que, ao mesmo tempo em que não espera que o nível de inflação registrado nos últimos meses se mantenha em um futuro próximo, observa a continuação do processo de redução de riscos para o cenário inflacionário que se configura desde a sua penúltima reunião. E por conta desse cenário mais benigno avalia que, neste momento, a manutenção da taxa de juros no nível estabelecido em sua reunião de julho proporciona condições adequadas para assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas.

Para muitos analistas, no entanto, o BC está correndo riscos. Eles avaliam que o Copom interrompeu cedo demais o ciclo de aperto monetário, o que implicará em nova rodada de aumentos logo no início de 2011. Uma alta de pelo menos mais 0,25 ponto percentual seria necessária, disse o economista-chefe do SulAmérica Investimento, Newton Rosa. Ele ressaltou que, ao contrário do BC, não consegue ver a atividade econômica se desacelerando de tal forma que se possa prescindir de mais um ajuste na Selic. O crescimento está mais moderado, mas permanece o desequilíbrio entre a oferta e a demanda.

Empresários criticam No entender de Newton Rosa, o BC está dando muita importância aos indicadores recentes de inflação e para o cenário externo, que realmente mudou e cujo impacto é benigno para a inflação. O problema é que, para fazer com que o consumo deixe de ser inflacionário, os juros teriam que ir para 12,25%. O que falta para atingir essa magnitude terá que ser incorporado à taxa no ano que vem.

Segundo Ricardo Denadai, economista do Santander Asset Management, ao chamar a atenção para a inflação, que certamente será maior nos próximos meses, o Copom está dando um recado ao mercado de que não está se iludindo. Ele acredita que a Selic terá que subir no próximo ano em pelo menos 1,5 ponto e ela se dará no decorrer do primeiro semestre.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, avaliou que o Copom mudou a sua percepção desde a reunião de julho. A avaliação sobre a piora do cenário externo foi mais veemente, disse. Mas ele reconheceu que os dados divulgados nos últimos 45 dias ou seja, no intervalo das duas últimas reuniões sugerem mesmo uma desaceleração na economia global, contribuindo para o processo de desinflação no Brasil.

Gonçalves vê com cautela, porém, a justificativa de que a atividade interna está enfraquecendo de forma mais acentuada. Não dá para dizer isso devido à força da renda real das famílias, ponderou. A seu ver, mesmo que esteja certo, agora, o BC ainda terá de promover mais uma alta de um ponto nos juros nas primeiras duas reuniões do Copom de 2011, para voltar a reduzir a taxa básica de outubro e de dezembro.

Enquanto os analistas lançam dúvidas e alardeiam sobre a possibilidade de uma nova alta dos juros, os empresários e trabalhadores afirmam que a Selic deveria ter caído. Manter a taxa no atual nível é um equívoco, disse Benjamin Steinbruch, presidente em exercício da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

MASSAS E BISCOITOS FICAM 9% MAIS CAROS Biscoitos e massas alimentícias devem subir mais de 9% em 2010. Segundo a Associação Nacional das Indústrias de Biscoitos (ANIB), as empresas do setor não têm mais como absorver os aumentos das matérias-primas. A conta, agora, será repassada aos consumidores. A entidade ressalta que a farinha de trigo ficou 20% mais cara no ano, o açúcar foi reajustado em 25%, a gordura, as embalagens e os fretes tiveram alta de 15% e o papelão, de 20%. Além disso, foram concedidos reajustes salariais acima da inflação. O aumento do trigo é justificado pela quebra da safra na Rússia, em julho, o que reduziu a oferta do produto em cerca de 70 mil toneladas no mercado internacional. A produção brasileira não é suficiente para atender a demanda do país.

Delfim culpa a gastança

Gabriel Caprioli

O maior culpado pelo aumento da taxa básica de juros (Selic), que passou de 8,75% para 10,75% ao ano desde abril último, é o governo. Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, ao manter o atual ritmo da gastança, o Executivo empurra para o Banco Central toda a responsabilidade de segurar a inflação sob controle. O problema se torna maior, na avaliação de Delfim, porque, além de deixar os cofres abertos, o Tesouro Nacional gasta mal.

Na avaliação do economista, a comparação da política fiscal brasileira na qual o governo realiza o papel de indutor da economia, aumentando salários de servidores e reduzindo impostos para determinados setores, com a intenção de ampliar o consumo com as de outros países mostra que o gasto no Brasil é menos eficiente do que o desejado. Não é o nível de despesas que é insuficiente, é a qualidade do retorno (de serviços e investimentos) à população que é ineficiente, afirmou.

A postura de um Estado indutor da economia, assumida pelo governo Lula a partir da elaboração e do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), enfrenta críticas pelo custo que proporciona. Mesmo com a maior arrecadação da história, o poder público continua com dificuldades de cumprir seus compromissos fiscais, aumentando o saldo negativo nominal e se distanciando da economia de recursos necessária para pagar os juros da dívida pública.

Delfim defendeu o controle definitivo dos gastos como a única forma de se reduzir a taxa de juros do país, movimento que facilitará os investimentos em inovação tecnológica e o crescimento sustentado da economia. Desenvolvimento é uma soma de inovação com financiamento, e é pela política fiscal que você traz a taxa de juros reais interna para próximo da externa, considerou. De acordo com levantamento feito por Jason Vieira, analista da corretora Cruzeiro do Sul, o Brasil lidera um ranking de 40 países com os maiores juros reais, com 5,6% ao ano.